DIA INTERNACIONAL DE COMBATE ÀS DROGAS

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AMEAÇA EFETIVA DAS DROGAS

A desordem social traduzida pelas janelas quebradas. Ainda há tempo de conserto?

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo Penal.
Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e combate
ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando
em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Advogado
e autor de obras jurídicas. Palestrante.

A humanidade enfrenta um verdadeiro e insofismável flagelo social, em face do alastramento das drogas, num processo arrasador, como o câncer metastático e de forma epidêmica. As drogas invadem todas as residências, ultrapassam limites inimagináveis, causando perdas e sofrimentos irreparáveis. É certo que o assunto é extremamente atual. As autoridades constituídas se perdem nas políticas públicas de enfrentamento: parecem acreditar que passeatas de conscientização com faixas e cartazes são capazes de vencer o poder do submundo do crack. Muitas discussões são levadas a efeito considerando questões de ordem legal, sociológica e sanitária (Prof. Jeferson Botelho)

Resumo: Hoje, dia 26 de junho de 2021, celebra-se o Dia Internacional de Combate às Drogas. Assim, este estudo aborda a temática das drogas, desordens e perdas sociais provocadas pelas drogas, análise da faixa etária com maior incidência de usuário, as classes sociais envolvidas, o fenômeno da interiorização do crime, a liberação das drogas como possível alternativa, políticas públicas de combate ao tráfico e uso de drogas, a comparação com o modelo Argentino, tratamento da dependência química. Pontuam-se as medidas educativas aplicadas ao usuário previstas na Lei sobre Drogas. Serão abordadas algumas alusões às consequências deletérias das drogas para a humanidade. Analisa-se a idade da desordem no Brasil e por último enfrenta o real papel do Estado no combate às drogas.

Palavras-chave: Drogas; prevenção; repressão; descriminalização; flagelo; social.

Ab initio, pode-se afirmar que as principais perdas sociais provocadas pelo uso de drogas são de ordem econômica e sentimental. Econômica em função da quebra da cadeia produtiva, o dependente químico é pessoa neutra no que toca a produção de economia para o País. Ao contrário, a sociedade arca com o tratamento médico, psiquiátrico, instituindo uma doutrina paternalista, e assume com isso um ônus altíssimo de uma pessoa que não contribui para o crescimento social.

Sentimental, por conta da morte real ou ficta do ente querido. Real se considerar que o usuário de drogas tem maiores chances de morrer prematuramente por doenças adquiridas por uso das drogas ou assassinado no conflito de gangues. Ficta em razão das consequências da codependência dos familiares, das preocupações diárias, do desamor instalado nos lares, das ameaças sofridas e oriundas das quadrilhas organizadas, da ausência de perspectivas, de ter que conviver com uma pessoa que vegeta pela vida sem projetos sociais, sem motivações e sem razão de ser. O usuário de drogas é alguém que perambula nas veredas da vida sem história para contar, além das agruras sofridas nas sarjetas da desilusão. 

A faixa etária hoje do usuário de droga fica entre 16 e 21 anos de idade, com alguns registros de envolvimentos de pessoas de idade tenra e provecta. Nos dias atuais não se pode falar mais em classe social envolvida com o uso de drogas. Todas as classes sociais, sem exceção, têm histórico de uso de drogas. A droga rompeu todos os limites sociais. Antes o crack era usado por meninos de rua e moradores de favelas. Hoje alcança todas as classes sociais, médicos, policiais, empresários, artistas, jogadores de futebol e outras categorias. Sem dúvidas, mais parece uma epidemia sem precedentes, e aqui, com uma agravante, não se tem vacina para a prevenção.

O crime hoje não tem fronteiras, notadamente, para o traficante de drogas, armas, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tráfico de pessoas, prostituição infantil, crimes cibernéticos, além de drogas. A criminalidade atingiu as pequenas e médias cidades, a zona rural, com a utilização das estradas vicinais como corredores da droga, reflexo das ações policiais de combate às quadrilhas das grandes cidades e também dos conflitos de grupos organizados.

Falam muito sobre a política de liberação da droga. Liberar esta ou aquela droga não seria solução para estancar as chagas sociais, e diminuir a violência em nosso meio. Há um movimento de se liberar a maconha, alegando que a droga teria propriedades medicinais e não seria tão prejudicial como outras drogas lícitas, citando o álcool e o tabaco. Não acredito que a liberação da maconha traria benefícios para a sociedade. A maconha é a porta de entrada de outras drogas, uma abertura larga, a meu sentir, seria um passo decisivo para a proliferação de novas modalidades de drogas, a exemplo do crack e da cocaína. Os países que experimentaram essa opção ainda sofrem com grandes perdas na saúde pública. Os gastos são maiores. As feridas são mais significativas. Se não deu certo em países evoluídos certamente no Brasil não existe a mínima condição de prosperar. Quem advoga a liberação, perguntaria se servia maconha no café da manhã e cocaína ao jantar para seu filho menor de idade.

A lei brasileira sempre adotou políticas preventivas, repressivas e terapêuticas desde a lei nº 6368/76. Mas na prática o que se evidencia é uma política repressiva temperada. Isto porque o traficante, um verdadeiro e insofismável genocida social, sempre teve as benesses processuais, como livramento condicional, saída temporária e progressão de regime. Como o advento da Lei nº 11.343/2006, a legislador pátrio fez opção por política de modelo norte-americano consistente no endurecimento das penas, um modelo de tolerância zero e recrudescimento das penalidades, mas como um toque brasileiro quando se permite a redução de pena para o traficante “bonzinho”, aquele não vinculado a organização criminosa e que não possui intensa atividade criminosa. 

E quanto ao usuário, o Brasil fez opção pela redução de danos e política terapêutica, modelo europeu, não permitindo, em nenhuma hipótese, a prisão daquele que possui droga em pequena quantidade para uso pessoal, podendo somente impor uma advertência ou determinar prestação de serviços comunitários ou ainda comparecer em programas de orientação educacional, a teor do artigo 27 e seguintes da nova lei sobre drogas. 

Quanto à política terapêutica, a meu sentir, praticamente se mostra ineficaz. O tratamento de dependentes praticamente inexiste. Para se conseguir uma internação em clínicas particulares, é preciso ter condições financeiras, caso contrário, a família do usuário não consegue sequer pagar os exames admissionais.  

Na política repressiva ao narcotraficante Brasil e Argentina se equiparam, com a diferença da Argentina ter avançado mais na sua legislação, lei nº 23.737/89, principalmente para aquele que financia as grandes organizações criminosas, com pena que pode chegar a 20 anos de prisão. O Brasil praticamente copiou a legislação argentina em 2006, também criando o ilícito de financiamento do tráfico no artigo 36 da Lei nº 11.343/06, com pena igual a da Argentina, mas de difícil aplicação.

No tocante a política de enfrentamento ao usuário de drogas, a Argentina é mais avançada. Lá quem for condenado pela posse de escassa quantidade de estupefacientes tem a opção de se internar numa clínica de recuperação criada pela rede pública, ou pode ir para a cadeia por um período de 02 anos. Se fizer opção pela clínica, ao sair do tratamento, inteiramente recuperado, é como se nunca tivesse envolvido com drogas, sai primário e sem antecedentes, facilitando a vida do transgressor para inserção no mercado de trabalho. 

As medidas educativas aplicadas ao usuário são aquelas previstas no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, quais sejam:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Em não havendo cumprimento das medidas acima, também não tem a Justiça instrumento eficaz para coagir o usuário a cumprir, pois a multa prevista na lei pelo descumprimento do comando legal não tem serventia alguma. De outro lado, não acredito que a prisão fosse resolver a situação do dependente químico. Aliás, o drogadito é muito mais doente que criminoso. Precisa de assistência e não de prisão.

A droga é uma pandemia, tal qual a Covid-19, que destrói, aniquila e enche de sequelas os consumidores e a seus familiares, assustando o mundo inteiro. Perigo iminente para as atuais e futuras gerações. Um mal que necessita de políticas públicas para vencê-lo. É preciso reunir um grupo de homens de caráter e comprometidos com o bem-estar da humanidade, para lutar de forma destemida em defesa da vida. É verdade que enquanto especialistas sérios discutem medidas preventivas, profiláticas, ao tráfico e uso ilícitos de drogas, algumas pessoas de comportamento adverso ao crescimento social, de ideologias corrompidas participam de reuniões na ONU para a descriminalização da maconha e outras organizam a chamada “Marcha da maconha” em meio a decisões judiciais afirmativas garantindo o movimento.

A grande movimentação financeira que gira em torno do tráfico ilícito de drogas, chefiada pelas grandes associações delituosas, constitui-se numa indubitável ameaça para a população mundial, exigindo medidas austeras das autoridades constituídas. Noutro giro, vivemos um momento de desordem no sentido amplo da palavra. Desajustes familiares, desrespeito a professores nas escolas, a indelével mancha corrosiva da corrupção, o exacerbado e nojento ativismo judicial, a atrofia legislativa por meio de um direito penal simbólico e esquizofrênico construído para atender situações de anormalidade social, geralmente com edição de normas para calar a boca da sociedade em casos de comoção social.

Assistimos a vários escândalos sociais, feridas difíceis de cicatrização, um cenário de intolerância e agressões de todos os lados, de um lado uma seita satânica, abjeta e cruel, de outro uma ideologia esquizofrênica, o Brasil perdeu a sua identidade porque vivemos mergulhados em uma crise institucional. Precisamos construir um novo documento de identidade para o nosso desacreditado país.

O Estado deve ter papel de presença e de autoridade como representante da vontade da maioria. Deve punir exemplarmente o traficante sem pensar em liberdade por monitoramento eletrônico, nem prisão domiciliar, e evitar que jovens ingressem no mundo do crime, por meio de políticas preventivas e recuperar aquelas pessoas onde a prevenção falhou. A prevenção é a palavra de ordem, melhor arma de um povo civilizado, geralmente instrumentalizada através da educação, tão importante para se evitar a sedução das drogas.

Não se desconsidere que tão somente a lei fria não resolve problemas sociais, um pedação de papel é simplesmente uma folha de papel, que não resiste a força das intempéries, sendo arma principal o investimento educacional por meio de políticas públicas de inclusão social e formação continuada no desenvolvimento do jovem, num processo formativo de vida, com agregação de valores familiares, educacionais, religiosos e de convivência social.

O Brasil não tem maturidade e nem possui uma rede de atendimento para viciados em drogas. Nem mesmo a saúde pública convencional tem condições de atender a sua demanda operacional.

Ademais, em face da importância social do tema em questão, não poderia ser tratado em sede de legislação codificada, como se pretende fazer o Projeto de Lei nº 236/2012. Deve, inequivocamente, o tratamento sobre a matéria se situar em lei esparsa, como sempre aconteceu, exatamente por causa de sua especificidade.

A descriminalização das drogas em relação ao consumo pessoal também não pode ser realizada sem uma consulta ampla e toda a participação da sociedade, haja vista, conforme já exaustivamente exposto neste texto, sua tamanha importância social e seus reflexos nefastos.

É preciso entender que deliberar sobre drogas perpassa por um crivo mais extenso do que a mera canetada do legislador ou a argumentação tendenciosa do jurista. A análise da matéria não pode ser realizada de forma isolada. A grande maioria do povo brasileiro, pobre e sem perspectiva, vive em constante vulnerabilidade e, portanto, é essa maioria que deve opinar sobre a descriminalização da posse de droga para consumo próprio, uma vez que seus impactos atingirão, mais diretamente essa grande população. Com a devida vênia, não pode o legislador ou o jurista determinar algo afastado do querer popular, especialmente em questão tão delicada.

O povo brasileiro merece ser consultado por meio de um plebiscito, instrumento que expressa a democracia em sua maior ênfase.

O Brasil é um Estado Democrático de Direito. As manifestações de opinião, especialmente fruto de estudo e de prática intensa no combate ao tráfico ilícito de drogas são engrandecedoras da democracia brasileira. Dessa feita, torna-se preciso pontuar que a descriminalização do uso de drogas e a mudança do modelo de repressão, quanto ao desalmado traficante de drogas, poderão recrudescer mais ainda a disseminação das drogas, implantando um flagelo social nas trincheiras das sarjetas do submundo dos farrapos humanos, a ser estendido por toda a sociedade.

Por derradeiro, pode-se afirmar, triste e lamentável, que a legislação brasileira se presta a favorecer odiosos traficantes e desalmados corruptos, em detrimento de toda a sociedade. É preciso melhorar o arranjo normativo para pensar nas vítimas e na sociedade em geral.

Das Referências bibliográficas:

BRASIL. Decreto nº 2848/1940. Define o Código Penal Brasileiro. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei nº 11.343/2006. Lei Sobre Drogas. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm Acesso em 30 de maio de 2021.

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