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Embrenharam-se os homens na mata
Fechada, fosca, folhuda
Mata bruta do Mucuri
Montados em potros ligeiros
Entraram a caçar os bugres
Rudes, selvagens, antropófagos
É o que dizem por aqui
Não viram o bicho-tupi
Mas acharam duas cunhãs
Sozinhas, se banhando no rio
Nuas, iguaizinhas, irmãs
Nuazinhas, se refrescando do estio
Pegaram as bichinhas
No laço
E arrastaram pelos caminhos
Levaram as cunhãs
No compasso
Pisando em pedras e espinhos
Na sede, separaram as duas
Fico com a maiorzinha
Disse o patrão satisfeito
Olhando-a de cima a baixo
Que faço com a menorzinha?
Retrucou o peão contrafeito
Leve e venda pro Inácio
Trancaram a indiazinha num quarto
Puseram-lhe peia nos pés
Até virar gente, amansar
Até o patrão vir lhe usar
O patrão viu a pequena aimoré
Parda, nuazinha, de pé
Os cabelos pretos lisinhos
Escorrendo pelas espáduas
Linda, lisinha, a bichinha
A vergonha tão saradinha
Como iria resistir?
Eu sou feito é de carne e osso
Mas principalmente, sou carne
Depois comentou com o compadre
Não sabes, rapaz, o deleite
De furar a bugrinha com azeite
Passaram-se várias luas
Passaram-se vários sóis
E quando é tempo de estio
Índia velha põe-se a cismar
Lembra do banho de rio
Entoa um canto no ar
Doeu-lhe a argola do laço
Que lhe bateu
Na cabeça
Inda mais doeu-lhe o aço
Que lhe arrancou
A inocência
Ficou velha
Feia
Sem dentes
Pariu várias vezes
Várias gerações, várias gentes
Minha vó foi pega no laço
Diz o rapaz sem saber
Das brutalidades mofinas
Com as pobres índias meninas
Cunhãs botocudas
Cunhatãs aimorés
Meninas Maxakali
Pobres meninas bugres
Do vale do Mucuri.
Goiânia, agosto/21