A ausência de afeto, atenção, respeito e reconhecimento, aliado à negação de direitos, refletem a falta de compromisso familiar, da comunidade e dos governos quanto às necessidades básicas das crianças e adolescentes, por vezes, expostos à própria sorte. Sob privações, riscos, abandono e violência. A infância e a adolescência constituem as etapas iniciais de educação formal e informal de um indivíduo. É por meio da escola que a educação formal se viabiliza e por meio das vivências cotidianas nos grupos sociais, com membros da vizinhança, parentes, amigos, coletivos religiosos e colegas de trabalho, que a educação informal acontece.
Há algumas décadas, estudar em uma escola ou mesmo, ser alfabetizado por alguém, era privilégio de poucos. Diante da pobreza, crianças e adolescentes de poucos recursos eram criados para o trabalho, não para o estudo. Afinal, famílias numerosas demandam mais despesa e a força de trabalho dos/as filhos/as era situação muito bem vinda para os pais que precisavam garantir a sobrevivência da família. Tempo em que crianças chegavam a morrer de fome e não existiam programas de transferência de renda, a exemplo do Bolsa Família para fazer frente ao problema.
Nesse cenário, aprender a ler e escrever era privilégio. Há poucas décadas, um caderno brochurão encapado com papel de pão, lápis e borracha carregados em um saco plástico de arroz era o que mais importava para quem queria estudar. São memórias dos “antigos”, os avós e bisavós da atualidade. Crianças e adolescentes foram reconhecidos pelo estado brasileiro como sujeitos de direito a partir de 1988 com a promulgação da Constituição Federal e logo em seguida, em 1990, com a regulamentação da Lei nº 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Até aquele momento, a infância e a adolescência respondiam como “menores”. Razão pela qual, até os dias atuais, ainda seja bastante comum o uso do termo por pessoas de vários segmentos sociais, inclusive, autoridades. Na verdade, trata-se de uma herança associada ao “Código de Menores” criado em 1927 e reformulado em 1979.
Crianças e adolescentes consiste, assim, num dos segmentos sociais que mais exprime o estado da cidadania e do tratamento dos direitos humanos no Brasil hoje e são alvo de “violência social”, à medida que são expostos à falta de projetos de vida, ao desemprego de seus cuidadores, às dificuldades de acesso aos serviços públicos de educação, saúde, cultura, esporte e lazer de qualidade.
Mesmo com o ECA, objeto de constantes disputas político-ideológicas, a infância e adolescência brasileira continuam reféns da manipulação construída conforme interesses dos tomadores de decisão. Normalmente, a pauta da educação primária e fundamental pública é capturada quando convém sua incorporação aos emocionados discursos públicos que buscam responder às demandas que aparecem em razão da necessidade de administração das crises. Os mais recentes episódios geradores da crise no campo da educação acenderam o alerta público: 1) o ataque dentro da sala de aula de uma escola no estado de São Paulo, onde um aluno adolescente, armado com uma faca desferiu vários golpes na sua professora, o que a levou à morte; e 2) o ataque no interior de uma escola particular infantil no estado de Santa Catarina, onde um homem ceifou a vida de pelo menos quatro crianças, também utilizando uma arma branca ou instrumento cortante/faca.
Pronto! Em tempos de redes sociais freneticamente ativas, crise instaurada com sucesso! Ameaças à integridade física de membros da comunidade escolar passaram a acontecer de forma recorrente, pressionando as instituições a apresentarem respostas ao problema. No campo da segurança pública, atividades foram desencadeadas para levar aos familiares, professores e estudantes das escolas (do nível primário ao universitário), a sensação de segurança, uma vez que a crise havia sido instaurada em todo o país. No âmbito familiar, sinal vermelho quanto à possível ausência de acompanhamento das crianças e adolescentes nas suas rotinas diárias – acessos a jogos virtuais; influências; e mudanças de comportamento. No âmbito dos executivos locais, alguns implementaram políticas específicas que buscam apoiar o controle de acesso aos prédios escolares como a contratação de seguranças. Reflexo de ações REATIVAS, ou seja, formuladas às pressas no intuito de responder de forma imediata a um problema superdimensionado, em razão da inexistência de planejamento prévio adequado à realidade de cada lugar.
Dessa vez, não foi possível a permanência de parte do setor público com os olhos vendados. Jogou-se luz ao problema que se arrasta há décadas: a violência nas escolas entre os membros que as integram e a violência de outrem contra a comunidade escolar. O caminho parece longo, porque envolve questões outras que atravessam o debate sobre violência nas escolas.