Teoria da putrefação e Corrupção no Brasil

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Uma doença infectocontagiosa e incurável

Prof Jéferson Botelho – Delegado-Geral da Polícia Civil de Minas Gerais – aposentado. Prof de Direito Penal e Processo Penal. Prof de Teoria Geral do Processo. Prof de Instituições de Direito Público e Privado. Mestre em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória. Especialização em Combate a Corrupção, Antiterrorismo e Combate ao Crime organizado pela Universidade de Salamanca-Espanha. Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares. Advogado em Minas Gerais. Autor de obras jurídicas. Jurista e palestrante. Membro da Banca Examinadora de Processo Penal do Concurso para Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni. Cidadão honorário de Governador Valadares, Contagem e Belo Horizonte.
A corrupção é um câncer putrefeito que aniquila a qualidade de vida do povo, corrói a sociedade e detona a esperança de uma Nação

Resumo: O texto discorre sobre o pandêmico fenômeno da corrupção no Brasil, corrosivo e constante, enfrentando causas e efeitos desse mal que dizima e assola brutalmente a estrutura da humanidade. Aborda temas inovadores como a teoria da putrefação do poder político, o malicioso projeto do chapa-branquismo sistêmico no país, a constante técnica de construção de um sólido empoderamento e base de blindagem do poder decisório, este literalmente contaminado por profundas ideologias e marcas indeléveis das manobras políticas para assegurar a perpetuação do poder em face do forte esquema de garantia da impunidade por atos lesivos a sociedade.

Palavras-chave: Corrupção; teoria; putrefação; poder; político.


Não há necessidade de estudos científicos para confirmar os efeitos danosos causados por essa doença devastadora, corrosiva. Os estudos farmacológicos são desesperançosos. A luz foi embora; a escuridão atrapalha enxergar uma direção segura. Na claridade, entrementes, os sintomas são conhecidos, as consequências nefastas todo mundo conhece, a história se repete com muita frequência. Coração arrebentado, milhões de neurônios destruídos, portanto, a saúde delimitada, não existe vacina, a ciência não consegue estancar a sua hemorragia; na educação um flagelo, não existe fórmula milagrosa para equacionar o problema; na segurança pública e no sistema de justiça, uma guerra declarada; mas os atores do movimento beligerante estão desarmados, combatendo os malfeitores com flores nas mãos, todos perdidos sem armas e sem munições. Uma luta sem fim, ferida que não cicatriza; algo imundo, nojento, que avilta, causa dor, sofrimento, provoca fome, destruição em massa. Compromete o desenvolvimento sustentável, enfraquece as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça. Uma expressão muita conhecida desde os tempos remotos; são nove letras que destroem a esperança de um país, fuzilam covardemente o povo brasileiro. Provoca um massacre imperdoável, um processo de deterioração sistêmica do país, fruto de uma anarquia clara evidenciada por meio de uma anomia social. O nome dessa enfermidade gravíssima e incruenta é corrupção.

Claro que o tema corrupção sempre despertou grandes interesses sociais, jurídicos, filosóficos, repercussões econômicas, sendo certo que quase todo mundo já ouviu falar, ficou sabendo de alguém que foi preso sob acusação de desvios do dinheiro público, informações de noticiários de televisão ou redes sociais, estando este tema sempre presente nas rodas de conversa. Mas afinal de contas, o que é corrupção, quaisquer os compromissos do Brasil com a comunidade internacional, qual a sua previsão legal, medidas preventivas, repressivas, além de outras?

Com o advento do Código Penal em 1940, Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro, o citado comando normativo logo se incumbiu de criar ao menos quatro categorias de condutas desviantes puníveis na forma do estatuto repressor, no caso, o peculato, a concussão, a corrupção passiva e a corrupção ativa.

Em simples palavras, peculato é quando o funcionário público se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio, com pena de reclusão, de dois a doze anos, e multa.

O crime de concussão é quando em que o servidor público exige para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, punível com a mesma pena do crime anterior.

De outro lado, o CP pune com pena de até 12 anos de reclusão o agente público corrupção, aquele que venha a solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, conduta de corrupção passiva prevista no artigo 317 do CP.

E a quarta conduta vinculada a corrupção é a chamada corrupção ativa, aquele comportamento criminoso praticado pelo particular, previsto no artigo 333 do CP, consistente em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. O ideal aqui nesses dois últimos crimes, é que aquele que oferece e aquele que recebe devem ser presos na mesma cela, com a mesma pena, de até 12 anos de reclusão, porque os dois são vagabundos e imorais.

Depois da edição do Código penal, em 1940 outras legislações vieram fortalecer as medidas preventivas e repressivas na tentativa de proteger a Administração Pública dos sanguessugas dos cofres públicos, a exemplo do Decreto 5687, de 2006, em que o Brasil se filiou à Convenção de Mérida que visa estancar a hemorragia da corrupção, porque esta prática atenta com a ordem jurídica, contra os direitos humanos, e contra a própria existência da humanidade.

Nessa mesma toada o Brasil ratificou a Convenção de Palermo, por meio do Decreto nº 5015, de 12 de março de 2004, promulgando, destarte, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. A presente Convenção definiu grupo criminoso organizado como sendo o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.

Nos artigos 8º e 9º os países se comprometem a criminalizar os atos de corrupção e a adotar a medidas contra a corrupção, sobretudo, promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes públicos.

Por crime organizado, a Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, em seu artigo 1º, § 1º, considera-se como sendo a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Para o combate eficaz ao crime organizado, sobretudo, em face da corrupção, é premente salientar a fragilidade do sistema de persecução criminal brasileiro, naquilo que chamamos de grave sistema de justiça criminal, em especial nas fases investigativas e processual. Reconhece-se a necessidade de criação de laços sólidos de colaboração transnacional, considerando tratar-se de problema de âmbito global.

É urgente acabar com a farra do sistema de recursos intermináveis, cabível a cada passo da investigação, a cada passo processual, o que causa prejuízos para os anseios sociais, mas consciente da necessidade inarredável de se preservar o sistema de garantias. O que a sociedade mundial clama urgentemente é por uma justiça que realmente funcione na sua inteireza.

Assim, lamentavelmente, a corrupção generalizada no Brasil, com indubitável desvio de finalidade, apresenta obstáculos intransponíveis para a adoção de políticas públicas de implementação dos direitos humanos, configurando, portanto, lesão de difícil reparação.

A violência aqui referenciada é justamente a negação por parte do Estado dos direitos constantes do mínimo existencial, como saúde para todos, educação com qualidade e segurança efetiva, garantindo existência humana digna, a exigir prestações estatais positivas, e que somando aos altos índices de criminalidade, aqui entendida como sendo o somatório de infrações penais, chega-se à conclusão de que o Brasil é um dos lugares mais perigosos do mundo para se viver.

É caso de vida ou morte implantar no Brasil um forte aparato legislativo, aprimorado, contemplando a figura criminosa da corrupção entre particulares, cujo modelo poderá ser o espanhol, artigo 286 do Código Espanhol, a criação de penas mais rígidas para punir corruptos, a rotulação do crime de corrupção como crime hediondo, a possibilidade da criação de uma nova modalidade de prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado, não como forma de pena, mas de execução indireta, nos moldes daquilo que acontece hoje com a prisão alimentar que prevê prisão em regime fechado para o devedor de alimentos, conforme dicção do artigo 911 usque  913 do Código de Processo Civil.

Para não ficar nenhuma dúvida, preste atenção nos próximos versos. Para ser claro como qualquer expressão algébrica, preciso com a evidência, límpido como sol que derrama seus raios estilhaçados neste momento no alto do Jardim Iracema, em Teófilo Otoni, nas Minas Gerais, berço da liberdade, o que se exige mesmo, na moral, com todas as letras, é JUSTIÇA EFETIVA e não simplesmente uma justiça do faz de conta.

O delinquente, em especial a criminalidade política organizada, orquestrada deve ter a certeza da punição, qualquer que seja a graduação da pena, e a investigação empresa, devidamente coordenada e harmoniosa, em perfeita sintonia empresarial entre pessoas, meios, organização e estratégias, sem dúvidas, é a melhor direção.

Mas é preciso cumular com a pena privativa de liberdade, com a possibilidade concreta de varrer definitivamente dos portais da Administração Pública os sanguessugas do povo, os insensíveis chacais sociais, os roedores de ossos inacabados.

Precisamos de justiça rápida e eficiente, com recheios de preservação das garantias fundamentais. Decisão judiciária que demora muito tempo ofende com pena de atrocidade o direito de razoabilidade da conclusão do procedimento, consoante artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988.

REFLEXÕES FINAIS

“Um número muito pequeno de leis será suficiente em um Estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente.” [1]

Considerando a alta complexidade do tema, e ainda a necessidade de discorrer com amplitude para melhor entendimento do assunto, mister se faz deixar lançados pequenos raios de luzes em linhas gerais acerca da temática em testilha, mesmo porque, como bem ensina RADBRUCH[2], que não constitui segredo para ninguém que é justamente da essência do direito a que não é possível renunciar o de achar-se eternamente condenado a ver somente as árvores e jamais a floresta. Contentamo-nos, pois, com as árvores, sem, todavia, cometer o desatino de negar a existência das florestas.

O que se vive no Brasil hoje, ao que parece, ou pelo menos deixa transparecer, é uma inequívoca e mera transferência de bastão de atos de corrupção, num esquema de prova de revezamento, todos entrelaçados e misturados num objetivo semelhante, comercialização de fumaça nas promessas de combate; por mais que criem medidas, regras, leis, regimentos, nada disso tem eficácia. O grave problema permanece, persiste com insistência, pois novas descobertas de dinheiro são realizadas. Desvios em orçamentos secretos, escândalos constantes, entram e saem governos, a doença permanece, não existe remédio eficaz, o estado de saúde do paciente é gravíssimo, há um forte esquema de desvios de dinheiro público, dinheiro em cueca, homiziados em orifícios inimagináveis, dinheiro em cofres, desvios do dinheiro da vacina, um modelo de chapa-branquismo sistêmico, nas palavras do brilhante jornalista Felipe Brasil, uma espécie de sabotagem de combate à corrupção e à impunidade, e por isso o que existe neste país é uma doente corrosiva infectocontagiosa em continuidade delitiva, crimes da mesma espécie, com as mesmas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, adotando o sistema de perdão difuso no enfrentamento à punição dos asseclas e compartícipes do esquema que tomou conta do país, tudo isso aos olhos de um sistema de justiça exangue e fracassado, parcial e politizado, um mecanismo perfeito para instalação do um contagioso estado do caos, em detrimento dos interesses da coletividade.

[1] ROTERDÃ. Erasmo. Teólogo e filósofo holandês. A educação de um príncipe cristão”, presente no livro “Conselhos aos governantes”.

[2] RADBRUCH. Gustav. Foi professor de direito na Universidade de Heidelberg.

O povo cansou, a paciência esgotou, faz-se mister adoção de medidas sérias de enfrentamento da corrupção, mas que sejam ações concretas, viáveis, sem embromações, e assim, ações urgentes de investimentos na promoção da política de transparência e prevenção devem receber prioridade, considerando que a repressão tem demonstrado insignificância e ineficiência. Assim, trabalhar a prevenção a exemplo do fomento ao reportante do bem, chamado doutrinariamente de whistleblower, aquele que oferece informações que sejam úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos, inclusive, se preciso for com oferecimento de recompensas, de vantagens, medida já prevista na legislação brasileira com advento da Lei nº 13.608, de 2018, e mais que isso, adoção e medidas de combate às fraudes fiscais e adoção de normas preventivas de combate à corrupção e estancamento da impunidade.

E nem adianta mudar por mudar, simplesmente trocar a roupa do corpo, as medidas do manequim, as caras novas na galeria de fotos, tendo-se em vista que perdura no país a moderna teoria da putrefação dúplice do poder político. Uma moderna construção que propõe análise meticulosa da atual conjuntura brasileira. Assim, por Teoria da Putrefação Política entende-se pela existência de uma doença incurável, onde existe de um lado um verdadeiro monte de abutres devorando um corpo putrefeito em adiantado estado de decomposição, insofismável processo de necrófagos pelo poder; todos vorazes e famintos; sinecuras do poder, mas ninguém deseja perder o poder de usufruir dessas facilidades. De outro lado, aparece um tanto de carniceiros, ávidos pelo poder, invejosos, tentado tomar o produto putrefeito dos primeiros; por via de consequência, surge a gênese do problema social; surgem os conflitos de grupos antagonistas, cada um defendendo a sua cota-parte no processo de decomposição. E quando aparece alguém voluntariamente querendo resolver a questão, sepultar o mal, nunca por ideologia de salvador da Pátria, mas por meio de uma insofismável assepsia social, aparece um monte de asseclas da ndrangheta digital, ferozes anônimos do mal, varapau da ignorância, com estupidez e agressão dizendo: “pega esse idiota e enterra”

Portanto, a moderna teoria da putrefação do poder político é uma moderna criação doutrinária em face das claras manifestações do modelo atual de se fazer a erosão do erário público, dilapidando o seu patrimônio, às vezes claramente, outras usando nomes de laranjas, numa sólida técnica de lavagem de dinheiro, onde grupos antagonistas, sorrateira e agressivamente vão aos campos de batalha numa guerra silenciosa e imunda se apresentando como pele de cordeiro prometendo libertar a sociedade da opressão e do jogo sujo de manipulações maliciosas, cujo fim colimado é viver à custa da sociedade.

Como bem assegura o excelso Alessandro Visacro, as guerras já não são mais as mesmas. Em vez da confrontação militar formal, o mundo vem assistindo a uma série de guerras “irregulares”, como terrorismo, guerrilha, insurreição, movimentos de resistência e conflitos assimétricos em geral.[3]

Por fim, a teoria da putrefação do poder político se apresenta camuflado de um jogo de estratagemas e técnicas do mal, onde a força bruta bélica é substituída por guerreiros desarmados e velados que se apresentam no meio social como pessoas inteiramente integradas, teoricamente, ajustadas socialmente, mas acometidas gravemente pela síndrome do engodo  e de caráter desviante, em meio a um invólucro com recheio de psicopatia aguda, com alto nível de transmissão, e traços de desvio de caráter capazes de sangrar o coração do adversário, rompendo com os obstáculos postos à sua frente, ainda que tenham que cometer matricídios covardes e cruéis como forma de afastar o óbice encontrado do meio do caminho que os impeçam de alcançar a simpatia e o desiderato do corpo social, culminando com o morticínio de grupos rivais que aparecem no meio do espinhoso caminho, tentando obstar seus desejos amesquinhados e sede pelo poder.

[3] VISACRO. Alessandro.  Coronel do Exército Brasileiro, graduado na arma de infantaria pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1991. Guerra irregular: Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.

Assim, arremata-se, em breve síntese, afirmando com acerto que a corrupção produz inevitáveis monstros sociais, peçonhentos, devoradores insaciáveis do poder, que se intitulam porta-vozes da razão, mas que na verdade são transgressores do pacto social, perversos genocidas de plantão, tudo isso, porque ostentam brados fortes, gritarias, apelações, rupturas, violações do jogo democrático, utilizando-se de narrativas convincentes, discursos polidos, um forte e robusto sistema de blindagem de aliados políticos, um escudo protetor à prova de balas, num sólido circuito de manobras jurídicas de garantia do passe livre, do perdão eterno, e um sem número de verborragias com selo de boçalidades, todavia, com sintomas de fraquezas porque atentam contra os direitos humanos, produzindo assassinatos em série, uma espécie clara e insofismável de serial killer da humanidade.

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