A Criminalidade no Rio de Janeiro

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Criação de um Código Penal para o Rio de Janeiro. Pode isso?

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e
Processo Penal. Especialização em Combate à corrupção,
Antiterrorismo e combate ao crime organizado pela
Universidade de Salamanca – Espanha. Mestre em Ciências
das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES.
Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.
A beleza estonteante do Rio de Janeiro é um acontecimento de pura magia e encanto; a beleza exuberante desse paraíso nos faz viajar no colorido de imaginações férteis; um lugar maravilhoso que desperta desejos do mundo; e jamais uma minoria de pessoas irresponsáveis tem a força de vencer as pessoas engajadas com a promoção do bem-estar social.

RESUMO: O presente texto tem por finalidade precípua analisar a grave crise na Segurança Pública no Rio de Janeiro. Visa ainda analisar a possível criação de um Código Penal unicamente para atender as demandas do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Rio de Janeiro; crise; segurança; pública; Código Penal; criação; possibilidade jurídica.

O Rio de Janeiro continua lindo, com suas belezas naturais, com suas exuberantes praias, desfile de garotas de Ipanema, proteção divina, bosques, jardins, um povo belo e honesto, abençoado por Deus. Terra de gente trabalhadora, talentos nas artes, na música, nas telenovelas, no futebol, jornalismo, no cinema e em todos os setores da sociedade. Assim, a regra é a existência preponderante de uma sociedade ordeira e feliz, gente que merece respeito e apreço.

Infelizmente, uma meia dúzia de criminosos, para ser bem econômico, do morro e do asfalto tem tirado a paz da grande maioria das pessoas e levado o nome da cidade para o mundo, às vezes de forma negativa e cheio de estereótipos, mas a cidade continua maravilhosa, sempre com os braços abertos para a construção da paz. Todavia, conflitos armados, execuções sumárias, milícias, crime organizado, tudo isso tem arrancado abruptamente a paz das pessoas boas.

A situação da violência e da criminalidade do Rio de Janeiro não tem causa e nem solução únicas e simplistas; a criminalidade e o descaso social não nasceram de um dia para o outro.

Uma triste contatação. Todas as vezes que aumenta a crise da criminalidade, surgem vários especialistas em Segurança Pública, todos propondo soluções milagrosas e mágicas. A grande maioria nunca frequentou uma Academia de Polícia, nunca trocou tiros com bandidos, nunca vestia uma farda, vivem homiziados nos gabinetes com ar condicionado, nos bancos de Faculdades, nas pesquisas de livros, nos estudos desenvolvidos, vivem analisando indicadores econômicos, mergulhados no moderno policiamento preditivo, e tudo mais; sendo certo que com todas essas teses de doutorado jamais proporão soluções capazes de tirar o povo do Rio de janeiro desse lamaçal da violência e da criminalidade.

O Rio de Janeiro precisa urgentemente da criação de um Código Penal específico para o enfrentamento da criminalidade no Rio de Janeiro; é necessário criar tipos penais próprios, com respostas penais diferenciadas, adoção de procedimentos processuais especiais, como submissão imediata a certos criminosos em regime disciplinar diferenciado, e recolhimento de delinquentes em estabelecimentos de segurança máxima, criando, se preciso for, um presídio especial para recolhimento desses criminosos.

Criar um Código Penal unicamente para o Rio de Janeiro? A lei permite isso?

É claro que a regra geral é no sentido da matéria penal, ser de competência legislativa reservada e exclusiva da União, conforme estatui o artigo 22 da Carta Magna.

Mas esse mesmo dispositivo abre uma exceção no seu parágrafo único. Assim, mediante lei Complementar, poderá o Rio de Janeiro ou qualquer outro Estado receber autorização para legislar sobre matérias específicas elencadas no artigo 22 da Constituição da República.

É certo que a violência no Rio de Janeiro serviu de base para a criação do tipo penal de Constituição de Milícia Privada plasmado no artigo 288-A do Código Penal, por meio da lei nº 12.720, de 2012, consistente em constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código, com pena de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. 

É certo ainda que o legislador na época cometeu grave erro técnico quando previu a possibilidade única de constituir milícia privada para o cometimento de crimes previstos no Código penal, conforme resta demonstrado na parte final da construção da figura criminosa, não havendo possibilidade, por exemplo de se formar milícia privada para a prática de crime de tráfico de drogas, crimes contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro e tantos outros.

É bem verdade que unicamente um estado-policialesco não vai resolver os sérios problemas de Segurança Pública no Rio de Janeiro e em lugar nenhum do mundo. Assim, a meu sentir existem duas medidas que devem ser adotadas no Rio de Janeiro para equacionar os graves e históricos problemas do fenômeno da criminalidade.

O primeiro passo é reduzir o número da violência no Rio de janeiro. E violência não é sinônimo de criminalidade. Violência é quando um Estado absenteísta nega os direitos comezinhos da sociedade no campo da educação, saúde, assistência social, lazer, meio ambiente, direito ao território, enfim, quando o Poder Público deixa de cumprir com suas funções básicas, em especial, quando se omite na chamada prevenção primária.

Por sua vez, a criminalidade é um somatório de infrações penais. Assim, homicídios, latrocínios, estupros, roubos, furtos, extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas, tudo isso somando chega-se à criminalidade. E assim, pode-se afirmar quanto mais violenta for uma sociedade, maior é a sua probabilidade de criminalidade alta. Simples assim.

E nesse sentido, isso fica bem evidenciado quando se percebe as carências existentes nas comunidades do Rio de Janeiro; falta tudo, o povo não tem sequer aquilo que garanta o mínimo existencial. Tudo gira em torno da porrada, tiro e bomba de um estado truculento, boçal e arbitrário, com nefastos efeitos colaterais, sempre atingindo crianças e adolescentes que não tem nada a ver com a guerra deflagrada entre forças ortodoxas e criminosos.

De outro lado, deve o sistema de persecução criminal voltar seus olhos aos criminosos do asfalto, os engomadinhos dos escritórios e gabinetes, agora para atacar incisivamente o crime de autoria de escritório, aqueles acostumados com a prática de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, crime contra a ordem tributária, crimes em licitações e contratações públicas, além de muitos, aquilo que Edwin Hardin Sutherland, denominou de White-collar criminality, ou criminalidade do colarinho branco.

E mais que tudo isso, é preciso negar mídia para juristas oportunistas que agora querem enquadrar a conduta de colocar fogo em ônibus como crime de terrorismo. Esquecem que a Lei 13.260, de 2016, criou o delito de terrorismo, condicionado ao preenchimento de algumas circunstâncias, conforme moldura do artigo 2º da lei em epígrafe, prevendo textualmente, que o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

REFLEXÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, é possível afirmar que a violência e a criminalidade no Rio de Janeiro não nasceram hoje e nem ontem; a criminalidade, o medo, os conflitos armados, as paradas em blitzen falsas, as milícias armadas, as extorsões, as corrupções passiva e ativa, as concussões, o tráfico de drogas, os crimes arquitetados nos grandes escritórios não surgiram hoje e nem ontem. Esse estado de exceção, de coisas inconstitucional, os tribunais de exceções, as grandes organizações criminosas, os amigos dos azuis, os amigos dos amigos e tantos outros desvios são práticas antigas.

Começaram a queimar ônibus e logo instalou-se uma nova crise na segurança pública. Nesse momento aparecem os “especialistas” em Segurança Pública; aparece gente de todo lado, cada um, com uma solução pronta; agora não terá mais incêndio em ônibus porque o Corpo de Bombeiros comprou inúmeros caminhões-pipa para debelar os incêndios; tudo mundo tem geralmente uma solução; agora pensam em instaurar novamente uma GLO, como se o Exército Brasileiro fosse treinado suficientemente para isso; mas agora tudo vai resolver, porque vem aí a Força Nacional de Segurança Pública. Ledo engano. Muito ruído. Mas agora tudo vai resolver porque vão criar o Conselho Nacional das Polícias. Falácias e mais falácias barulhentas e tudo isso não passa de um cabotinismo algorítmico de oportunistas de plantão aguardando os holofotes reluzentes da mídia.

A única solução possível para resolver definitivamente os graves problemas de segurança Pública no Rio de Janeiro é de início fazer uma assepsia ética na política do Estado. É preciso urgente colocar na cadeia os corruptos da Política e de todos os setores com base num inédito Código Penal de forma excepcional e única no Brasil, tudo com base no artigo 22, Parágrafo único da Carta da Dignidade, a ser criado tão somente para o enfrentamento da criminalidade na cidade maravilhosa.

Concomitante a isso, investir efetivamente nas políticas públicas nas comunidades carentes, tomando de volta do poder paralelo as funções legítimas arrancadas paulatinamente do Estado, levando infraestrutura às comunidades, com aberturas de ruas, restauração de espaços públicos, devolvendo à comunidade o seu lídimo direito de liberdade ao território, fazendo investimento sério na educação, saúde, assistência social, levando assistência integral à criança e ao adolescente; assumindo o Estado as suas funções primárias de protetor das famílias, cuidando com zelo e carinho dos direitos das pessoas idosas, levando artes e cultura à juventude, com adoção dos princípios estatuídos no artigo 2º da Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013, para assegurar efetiva políticas públicas à juventude, como promoção da autonomia e emancipação dos jovens, valorização e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representações,  promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do País, reconhecimento do jovem como sujeito de direitos universais, geracionais e singulares, promoção do bem-estar, da experimentação e do desenvolvimento integral do jovem, respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude, promoção da vida segura, da cultura da paz, da solidariedade e da não discriminação; e valorização do diálogo e convívio do jovem com as demais gerações.

Por derradeiro, à guisa de medidas para solução dos constantes conflitos no Rio de Janeiro, propõe-se a criação de um Código Penal austero especificamente para estancar a hemorragia do crime organizado no Rio de janeiro, para atender suas especificidades locais de estado, instituindo tipos penais próprios, reduções de benefícios processuais, criação de um presídio de segurança máxima para recolhimento dos criminosos faccionados, limpeza ética na política partidária do Rio de janeiro, com prisões de concussionários do erário público, perspectivas de devolução do direito ao território ao povo pacífico da cidade, ignorar os palpiteiros de prontidão das mídias, chamados de “especialistas” de Segurança Pública, aqueles que surgem durante as chamas esvoaçantes e hiper aquecidas dos ônibus parecendo cenas de filmes de terror; e mais que isso, designação de gestores técnicos para as funções estratégicas de Estado, e o mais importante de tudo: presença real e efetiva do Estado até então invisível nas políticas públicas de educação, saúde, assistência social, artes e culturas, e tomar de volta as funções do estado legítimo que hodiernamente se encontram nas mãos do estado paralelo.

Sobre o palpite de alguns “especialistas” em Segurança Pública enquadrar os atos de queima de ônibus ao crime de terrorismo, conforme exposto alhures, não existe a mínima condição jurídica para tal proposta, o que poderá ser construído na criação do Código Penal específico para o estado do Rio de Janeiro.

Por fim, não esquecer jamais que a grande maioria dos policiais tem honrado a sua missão constitucional, e, portanto, esses profissionais fieis ao dever funcional, heróis anônimos devem receber todo o apoio do sistema de Justiça para continuar desenvolvendo com honradez as suas funções legais; somente assim, a sociedade do Rio de Janeiro conseguirá viver em paz e distante das atrocidades que assolam a dignidade desse povo ordeiro e pacífico.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 27 de outubro de 2023.

BRASIL. Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 27 de outubro de 2023.

BRASIL. Estatuto da Juventude. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm. Acesso em 27 de outubro de 2023.

BRASIL. Lei de Terrorismo. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13260.htm. Acesso em 27 de outubro de 2023.

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