Relato de vivência sobre territórios de fronteira: desafios comuns entre o estado do Mato Grosso do Sul e o nordeste mineiro no enfrentamento à Violência Contra a Mulher

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutora em Política Social (UFF).
Conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Contato: julianalemes@id.uff.br | @julianalemesoficial

Na semana do dia 20 de novembro de 2023 completei o ciclo de três participações como uma das sete docentes a ministrar uma disciplina no Curso Nacional de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, promovido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), destinados aos profissionais do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), sob coordenação de campo de Daniele Rosendo, da Diretoria de Ensino e Pesquisa (DEP/Senasp). O convite, com o pedido da minha liberação para colaboração na atividade foi feito pela Senasp/MJSP, sendo admitido e autorizado pelo Comando Geral da Polícia Militar de Minas Gerais, bem como, pelo Comando da 15ª Região de Polícia Militar, sediada em Teófilo Otoni.

As primeiras aulas ministradas aconteceram em Fortaleza, capital cearense, em meados do mês de outubro. Na etapa seguinte, no início de novembro, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. E na derradeira etapa, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. As turmas compreenderam entre 36 e 38 cursistas, dentre profissionais de alta patente e praças das Polícias/Brigada Militares e Corpo de Bombeiros Militares; dirigentes e agentes das Guardas Municipais; delegadas, inspetores e investigadores das Polícias Civis; e profissionais médicas/psicólogas das Perícias criminal/ forense. Vale lembrar que o Curso Nacional teve duração de uma semana na modalidade 100% presencial em cada uma das capitais.

Destaco dessa experiência, o protagonismo da Capitã PMMS Bruna Carla, à frente da coordenação desse Curso Nacional no Mato Grosso do Sul e a riqueza da diversidade sociocultural observada entre os representantes das forças de segurança do estado. Ademais, constitui de características que se conformam em múltiplas/diferentes percepções sobre o Enfrentamento da Violência Contra a Mulher (EVCM), o que apresenta similaridade com o contexto do nordeste mineiro. Razão pela qual, redijo o presente texto.

O estado do Mato Grosso do Sul está localizado na região centro-oeste do Brasil e faz fronteira com 2 países (Bolívia e Paraguai), e 5 estados da federação brasileira (Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná). Já o nordeste de Minas Gerais, localizado na região sudeste do país, extrema com outros 2 estados (Bahia e Espírito Santo), em que pese Minas seja fronteiriço com outros 3 estados (Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás), além do Distrito Federal. Tanto o Mato Grosso do Sul, quanto o nordeste mineiro contam com populações tradicionais, onde se destacam as indígenas. No caso daquele estado, que divide a região do bioma Pantanal com o vizinho Mato Grosso, a situação é ainda mais desafiante porque a demanda envolve a necessidade de respostas adaptadas ao contexto das populações de fronteira com Bolívia e Paraguai, sob cenários que limitam atendimentos em razão da distância e dificuldade de acesso a certas regiões.

Embora possa parecer banal, a dinâmica desses territórios apresenta características capazes de interferir frontalmente no sucesso de iniciativas desenhadas, pois sofre influência das condições de estrutura física/logística, recursos humanos e contextos sociocultural, econômico e político locais e/ou regionais. Assim, a diversidade do conjunto de crenças e valores de cada indivíduo, tende a afetar, sobremaneira, as ações – de qualquer natureza –, que tenham sido formuladas para a coletividade. No caso do EVCM isso me pareceu mais intenso. Explico!

No que tange à segurança pública, o “componente relacional” se atrela especialmente aos casos de violência doméstica, seja contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos. No âmbito familiar, realizar intervenções é sempre mais difícil em qualquer cenário, uma vez que a pessoa agressora é um ente querido. Afinal, por mais que o familiar tenha cometido um ato violento, é praxe que a pessoa vitimada não queira que aquele seja conduzido a uma delegacia de polícia e preso. Situação que não ocorre quando são cometidos crimes que não envolvem violência doméstica. Pelo contrário, quando uma violência é cometida por pessoa desconhecida da vítima, por mais que ela esteja abalada com o fato, seu desejo é que a polícia capture e prenda a pessoa infratora – bandida/criminosa. A dúvida não se impõe nesse caso porque o “componente relacional” inexiste.

Notei que, assim como no caso do Mato Grosso do Sul, o nordeste mineiro também dispõe de uma destacada variedade de interpretações sobre o fenômeno da VCM, o que oferece grandes desafios aos gestores públicos e aos implementadores diretos das políticas. São comuns a ambos os territórios, sujeitos investidos de cargo público junto às forças de Segurança Pública que ainda apresentam resistência frente às iniciativas para proteção às mulheres.

Elaborei, com essa observação, a hipótese de que esse desafio – a resistência –, se impõe ainda tão expressiva, em razão da distância dos citados territórios dos grandes centros de interlocução e debate sobre o tema – núcleos de estudos e universidades –, que se concentram, principalmente, no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Assim, tanto Mato Grosso do Sul, quanto o nordeste mineiro, compõem a parcela majoritária dos territórios brasileiros sob gestões municipais e estaduais que ainda necessitam serem sensibilizados sobre a importância da priorização das ações de enfrentamento à VCM para o desenvolvimento, em todos os aspectos, das suas respectivas regiões.

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