Mudanças na Lei de Execuções Penais

0
122

A novíssima Lei 14.843/2024 e a roupa velha da saidinha temporária

Por Jeferson Botelho
Delegado Geral de Polícia, aposentado. Prof. de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Ciência das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Especialização em Combate à corrupção, antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Advogado. Autor de livros
Portanto, a novíssima lei nº 14.843, de 2024 pouco ou quase nada acrescenta para o sistema de controle social; pelo contrário, demonstra de forma cabal e insofismável a falência do sistema social, evidencia como o dinheiro do pagador de impostos é jogado fora no esgoto, pois desde de 2011 o projeto caminhava no Congresso Nacional, talvez a passos de tartaruga, mais lento que o “bicho-preguiça” da Praça Tiradentes de Teófilo Otoni, isto porque, treze anos depois uma lei é aprovada e publicada para dizer ao povo brasileiro que se sancionada poderá haver o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares dos presos; para afirmar filosoficamente que a projeção temporal de execução da pena exige, do Estado, atuação proativa para a obtenção do equilíbrio entre a privação da liberdade de quem infringiu a lei penal (ação punitiva) e a sua progressiva reintegração (ação preventiva). Vivemos num cenário de falência múltipla dos órgãos, num país dos escândalos, da corrupção pandêmica e da vergonha. E quando aparece alguém na Administração Pública, sério e destemido, querendo consertar essa bagunça, vem logo uma ordem de cima dizendo “pega esse idiota e enterra”.

SUMÁRIO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar a Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, que operou modificações acerca dos benefícios processuais, com ênfase nas últimas modificações sobre o instituto das saidinhas temporárias.

Palavras-Chaves. Direito; penitenciário; benefícios; saidinhas; temporária.

INTRODUÇÃO

A persecução penal é formada por duas fases distintas: a pretensão punitiva estatal e a pretensão executória estatal. A primeira começa desde a fase investigatória, passando pela acusatória e termina com a sentença penal, podendo ser condenatória ou absolutória. Sendo condenatória, abre para o Estado e sua execução, regida, via de regra, pelas normas de execução penal, em especial, pela Lei nº 7.210, de 1984.

Há quem afirme que o Brasil prende muito e mal; sendo a 3ª maior população prisional do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e China.

Não nos parece tanto verdadeira essa afirmação, considerando que o Código Penal é o principal instrumento definidor dos tipos penais. Nesse sentido, após estudos meticulosos, é possível afirmar que o Código Penal é formado por 447 verbos nucleares, divididos em uninucleares e plurinucleares. Existem 251 crimes, dos quais 71 crimes são afiançáveis na Delegacia de Polícia, 84 estão na esfera do Juizado Especial Criminal, portanto, operando apenas com a lavratura de um TCO, em 82 casos são admitidos Acordo de Não Persecução Criminal, num subtotal de 237 casos.

A partir desses números, é possível afirmar que o cidadão brasileiro deve fazer um esforço hercúleo para ficar preso. São pouco mais de 10 casos em que o autor tem a possibilidade real de ficar preso no Brasil, notadamente, em casos de Homicídio, Tráfico de pessoas, Roubo, Estupro, Extorsão, Extorsão mediante sequestro, Estupro de vulnerável, Favorecimento da prostituição, Epidemia, Constituição de milícia privada, Contratação direta ilegal, Frustração do caráter competitivo da licitação, Modificação ou pagamento irregular em contrato administrativo, Fraude em licitação ou contrato, Abolição violenta do estado democrático de direito e Golpe de estado.

Além de todo esse aparato protetor, existem ainda pelos menos três súmulas, duas das quais são vinculantes, em que beneficiam os infratores da lei, as quais, passamos a enumerar:

Súmula 492 do STJ – O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.

Súmula Vinculante 56 do STF – A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Súmula Vinculante 59 do STF – É impositiva a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando reconhecida a figura do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06) e ausentes vetores negativos na primeira fase da dosimetria (art. 59 do CP), observados os requisitos do art. 33, § 2º, alínea c, e do art. 44, ambos do Código Penal.

Dessa forma, depois da prisão em flagrante e antes da sentença penal condenatória, o autor pode ser beneficiado com a assinatura do Termo de Compromisso de Comparecimento, pagamento de ⁠Fiança, submissão à ⁠Audiência de custódia, receber os 09 benefícios do artigo 319 do CPP, com as Medidas diversas da prisão, ainda ser beneficiado pela Suspensão condicional do processo ou fazer acordo de não persecução penal, artigo 28-A do CPP.

Mesmo depois da sentença penal condenatória é possível aplicar a Suspensão condicional da pena e ⁠Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Na fase da pretensão executória estatal, agora durante a execução da pena privativa de liberdade, o condenado por ter os benefícios da Progressão de regime de cumprimento de pena, do Livramento condicional, da Saída temporária, do Indulto natalino, da Graça e ⁠Anistia, da Remição e ⁠Férias anuais se o cumprimento da pena for em Minas Gerais, por força do artigo 59 da Lei nº 11.404, de 94.

DA SAIDINHA TEMPORÁRIA

A saidinha temporária sempre foi tratada no artigo 122 usque 125 da LEP, consignado que os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I – Visita à família;

II – Frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III – Participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.   

Os requisitos de cabimento eram tratados no artigo 123 da LEP, a saber:

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I – Comportamento adequado;

II – Cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado:                    

I – Fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;                  

II – Recolhimento à residência visitada, no período noturno;                    

III – Proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.        

O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

NOVAS MODIFICAÇÕES DA SAIDINHA TEMPORÁRIA

Com a morte do Sargento Roger Dias em Minas Gerais, e com o grande número de presos que alcançam esse benefício e não retornam à prisão; e com a grande quantidade de presos que voltam a praticar delitos durante o prazo de benefício, reacenderam no país as discussões sobre a real finalidade desse benefício da saidinha temporária. De início, foi apresentado o Projeto de Lei nº 583, de 2011, que dispunha, especificamente, sobre o monitoramento por instrumentos de geolocalização para os indivíduos sujeitos ao sistema penitenciário da União Federal.

Em seu artigo 1º, havia a seguinte previsão:

Art. 1º – A União Federal providenciará pulseiras ou tornozeleiras eletronicamente monitoradas, com tecnologia de geolocalização GPS, a serem empregadas nos indivíduos que, por decisão do poder judiciário, se encontrarem:

I – No gozo de livramento condicional;

II – Em regime aberto de prisão;

III – Em regime semiaberto de prisão;

IV – Sujeitos a proibição de frequentar lugares específicos;

V – Sujeitos a prisão domiciliar;

VI – Autorizados a saída temporária de estabelecimento penal, sem vigilância direta.

O autor do Projeto de Lei, Pedro Paulo Deputado Federal PMDB – RJ, apresentou robusta justificativa, enfatizando que “Muitos institutos do atual direito penitenciário têm sido objeto de severas críticas e causado grande desconforto à população pela conduta de uma parcela dos condenados que se aproveita da oportunidade de não se recolher ao sistema prisional ou de deixar os presídios sem vigilância direta, para voltar a delinquir ou se evadir. A lei de execução penal vigente permite aos condenados no mínimo cinco saídas temporárias sem escoltas, em épocas como do Dia das Mães, Páscoa e Natal. Na última Páscoa, a liberdade provisória assegurada pelo indulto abrangeu cinco dias. Apenas no Estado de São Paulo9, saíram 10.973 condenados dos quais 851 deixaram de retornar, o que corresponde a uma porcentagem de evasão de 7,78%. Nossa imprensa divulgou que, ainda em São Paulo, em 2006, dentre os 11.087 presos autorizados a comemorar o Dia dos Pais com suas famílias, 808 não retornaram aos presídios, havendo dois falecidos em confronto com a polícia e trinta e dois sido detidos pela prática de crimes durante o período do indulto. Já no Dia das Mães, em 2007, dentre os 12.645 presos beneficiados pelo indulto, 965 não teriam retornado. A realidade nacional não é muito distinta”.

Eis a íntegra da justificativa:  

O Direito Penitenciário é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam o tratamento dos sentenciados. Sua construção sistemática deriva da unificação de normas do Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Administrativo, Direito do Trabalho e da contribuição das Ciências Criminológicas, sob os princípios de proteção do direito do preso, humanidade, legalidade, e jurisdicionalidade da execução penal. Muitos institutos do atual direito penitenciário têm sido objeto de severas críticas e causado grande desconforto à população pela conduta de uma parcela dos condenados que se aproveita da oportunidade de não se recolher ao sistema prisional ou de deixar os presídios sem vigilância direta, para voltar a delinquir ou se evadir. A lei de execução penal vigente permite aos condenados no mínimo cinco saídas temporárias sem escoltas, em épocas como do Dia das Mães, Páscoa e Natal. Na última Páscoa, a liberdade provisória assegurada pelo indulto abrangeu cinco dias. Apenas no Estado de São Paulo9, saíram 10.973 condenados dos quais 851 deixaram de retornar, o que corresponde a uma porcentagem de evasão de 7,78%. Nossa imprensa divulgou que, ainda em São Paulo, em 2006, dentre os 11.087 presos autorizados a comemorar o Dia dos Pais com suas famílias, 808 não retornaram aos presídios, havendo dois falecidos em confronto com a polícia e trinta e dois sido detidos pela prática de crimes durante o período do indulto. Já no Dia das Mães, em 2007, dentre os 12.645 presos beneficiados pelo indulto, 965 não teriam retornado. A realidade nacional não é muito distinta. Não são raros os episódios envolvendo fugas de indivíduos submetidos à prisão domiciliar, evasão de condenados sujeitos aos regimes aberto ou semiaberto, evasão de beneficiário de indultos, etc. Tais fatos, além de provocarem a descrença no sistema prisional, fazem com que magistrados zelosos relutem em conceder benefícios a quem faça jus, por receio de futuras evasões e descumprimento de medidas. Analisando as penalidades que envolva a proibição de frequentar lugares específicos, constata-se que a União não dispõe atualmente de mecanismos que lhe permitam fiscalizar o respeito a tais proibições. Tal fato motiva diversos magistrados a aplicar outras penalidades (inclusive pecuniárias) em detrimento dessa modalidade de sansão. É fato notório que, em diversos países, a proibição de aproximação de estádios de futebol imposta a indivíduos anteriormente envolvidos em brigas de torcidas passou a se tornar muito mais eficaz no combate à violência nos estádios de futebol após a adoção do monitoramento eletrônico, evitando dessa forma encarceramentos desnecessários, bem como outras medidas que poderiam se revelar inócuas. Idêntico raciocínio é válido para todas as demais situações nas quais se faça necessária a verificação do cumprimento de proibição de frequência a locais definidos. Instrumentos que viabilizam o rastreamento eletrônico de condenados representam um avanço tecnológico já empregado em diversos países, dentre os quais os Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Suécia, Austrália, Japão, África do Sul, Portugal, etc. Analisando a questão do custeio, é de fácil constatação que o monitoramento eletrônico representa uma forma menos onerosa de controle para o Poder Público que o encarceramento, a manutenção e a construção de estabelecimentos prisionais, sobretudo em uma sociedade na qual estudos indicam que a manutenção mensal de um preso ultrapassa em mais de duas vezes o valor do salário mínimo vigente. Sob o aspecto correcional da pena é evidente que o acompanhamento viabilizado pelo monitoramento eletrônico reforça a fiscalização do cumprimento dos deveres dos apenados quando da fruição de benefícios como o regime aberto, saídas temporárias, livramento condicional, etc., impondo-lhes valiosa disciplina. No que tange a ressocialização do preso, tal metodologia permite ao condenado a manutenção de seus laços sociais e familiares. Ainda mais relevante é o afastamento que tal medida permite, aos presos menos perigosos ou já em estágio avançado do cumprimento de suas penas, de um sistema prisional que muitas vezes contribui para sua degradação. Por todas as razões de segurança e garantia do cumprimento de penas, controle do sistema carcerário, economia para o erário, humanização e ampliação das possibilidades de reinserção social para os condenados, redução do desvio da atividade investigativa ou ostensiva para a atuação em atividades de captura de evadidos pelas polícias, etc., imprescindível se mostra a adoção desse avanço tecnológico por nosso sistema penitenciário e justiça! Por todo o exposto, conto com o apoio dos meus pares para aprovação do presente Projeto de Lei.

A referida matéria sofreu profundas modificações, transformando-se no Projeto de Lei nº 2.253-C, de 2022, denominada Lei Sargento PM Roger Dias.

A ementa doravante altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária.

A redação do texto final acabou por modificar alguns institutos da Lei de Execução Penal, se transformando na Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, com a sanção parcial, sendo publicada com as seguintes modificações:  

Destarte, o novo comando normativo começa pela competência do Juízo de Execução prevista no artigo 66, acrescentando a alínea “j”, ao inciso V, para prever:

“Art. 66. …………………………. ……………………………………………

V – ………………………………. ……………………………………………

j) a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;”

Outra mudança significativa foi a previsão da necessidade do apenado se submeter a exame criminológico para os casos de progressão de regime de cumprimento de pena, previstos no artigo 112 da LEP, a saber:

“Art. 112. ……………………………………………………………………………

§ 1º Em todos os casos, o apenado somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão.”

Sobre o ingresso no regime aberto, previsto no artigo 114, da LEP, a novíssima lei, modificou o inciso II, do artigo 114, ficando, doravante com a seguinte redação:

“Art. 114. ………………….. ………………………………………..

II – Apresentar, pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime.

Por sua vez, o artigo 115 da LEP passa a ter a seguinte redação:

“Art. 115. O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias:”

Sobre o tema central deste ensaio, saidinha temporária, a ideia principal do novo comando normativo era extinguir totalmente esse benefício. Algumas vozes defendiam a permanência tão somente do benefício para a frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução.

Assim, o legislador pátrio tinha a intenção de revogar os I e III, da LEP, que tratam respectivamente das permissões do inciso I – visita à família e III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Entretanto, os incisos I e III do artigo 122 da LEP, foram vetados pela presidência da República, lançando as seguintes razões do veto:

O instituto da saída temporária está atrelado, exclusivamente, ao âmbito do regime semiaberto, no qual a projeção temporal de execução da pena exige, do Estado, atuação proativa para a obtenção do equilíbrio entre (i) a privação da liberdade de quem infringiu a lei penal (ação punitiva) e (ii) a sua progressiva reintegração (ação preventiva).

Destarte, a proposta de revogação do direito à visita familiar, enquanto modalidade de saída temporária, restringiria o direito do apenado ao convívio familiar, de modo a ocasionar o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares que já são afetados pela própria situação de aprisionamento.

É basilar ponderar que, à luz dos delineamentos declarados pelo Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 347, a manutenção de visita esporádica à família minimiza as efeitos do cárcere e favorece o paulatino retorno ao convívio social. Tal medida não se dá por discricionariedade estatal, mas, sim, pela normatividade da Constituição, que, ao vedar o aprisionamento perpétuo, sinaliza, por via reflexa, a relevância da diligência pública no modo de regresso da população carcerária à sociedade.

Portanto, a proposta legislativa de revogação do inciso I do caput do art. 122 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal é inconstitucional por afrontar o teor normativo do art. 226 da Constituição, que atribui ao Estado o dever de especial proteção da família, e contrariaria, ainda, a racionalidade da resposta punitiva.

Ademais, essa mácula afeta, por arrastamento, a revogação do inciso III do caput do art. 122 da Lei nº 7.210, de 1984 – Lei de Execução Penal, visto que a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social está contida no inciso I do caput do art. 3º do Projeto de Leio qual também versa sobre a visita à família, objeto da inconstitucionalidade vetada.” 

Essas, Senhor Presidente, são as razões que me conduziram a vetar os dispositivos mencionados do Projeto de Lei em causa, as quais submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. 

O artigo 122 da LEP, doravante fica com três parágrafos, a saber:

§ 1º A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.

§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.

§ 3º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.”

Acerca do instituto do livramento condicional, previsto a partir do artigo 131 da LEP, o acrescentado a alínea e) no § 2º, do artigo 132, ficando doravante com o seguinte texto:

“Art. 132. ………………………… ……………………………………………

§ 2º ……………………………… ……………………………………………

e) utilizar equipamento de monitoração eletrônica.”

Sobre a monitoração eletrônica, o artigo 146-B, preceitua que o juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:

I – Autorizar a saída temporária no regime semiaberto;

II – Determinar a prisão domiciliar;

A nova lei acrescenta mais três casos de monitoração eletrônica, a saber:

III – Aplicar pena privativa de liberdade a ser cumprida nos regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes;

IV – Aplicar pena restritiva de direitos que estabeleça limitação de frequência a lugares específicos;

V – Ao conceder o livramento condicional. 

Fechando o rol das modificações da nova ordem jurídica, o artigo 146-C, preceitua que o condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:  

I – Receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações;                      

II – Abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;  

Ao parágrafo único do artigo 146-C, da LEP, foram acrescentados os incisos VIII e IX, ficando agora com a seguinte redação:

A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: 

I – A regressão do regime;                    

II – A revogação da autorização de saída temporária;                 

III – (vetado);                    

IV – (vetado):                    

V – (vetado);                 

VI – A revogação da prisão domiciliar;                 

VII – Advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.

VIII – A revogação do livramento condicional;

IX – A conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.

REFLEXÕES FINAIS

O sistema de justiça criminal deve direcionar seus atos e funcionalidade com primazia para o atendimento a vontade suprema do povo. Por isso, num sistema de proteção, o sistema de garantismo penal deve volver seus olhos em especial, para a tutela dos interesses da vítima e não somente para atender aos delinquentes. A proteção da vítima é um viés daquilo que chamamos de direito penal de terceira via. O livre arbítrio concede ao cidadão a opção de criar coisas virtuosas ou pecaminosas. Se o cidadão opta em desviar seus passos por caminhos tortuosos, obviamente, deve o recalcitrante sofrer as nefastas consequências pelo mau uso da liberdade.

O tema das restrições ou extinções das saidinhas temporárias no Brasil nasce do Movimento punitivista da América Latina, uma política linha dura, fruto das medidas tomadas pelo presidente de El Salvador Nayib Bukele, que endureceu as penas aos criminosos, criando um mega presídio, Centro de Confinamento do Terrorismo, com capacidade para recolher algo em torno de 40 mil presos.

No Peru, as autoridades recrudesceram as penas para os crimes de roubo, dado a crescente onda dos delitos patrimoniais naquele país. Por todo lado há um momento para aumento das penas para criminosas o que se denominou a chamar-se movimento bukelismo.

O tema vem à tona no Brasil em face da morte do Sargento Roger Dias em Belo Horizonte no início do ano de 2024, quando de uma abordagem a um criminoso que estava gozando do benefício da saidinha temporária e não havia retornado à prisão. O policial militar acabou sendo assassinado covardemente por esse criminoso que se encontra nas ruas da capital em face da benevolência da lei de execução penal.

Com a ocorrência de episódio gravíssimo em Minas Gerais, várias autoridades políticas utilizaram-se desse fato para fazerem palanque político, inclusive autoridades do Poder Executivo afirmando que havia proibido as saidinhas temporárias no período do carnaval como se tivesse competência para tal finalidade.

O instituto da saidinha temporária não é matéria exclusiva da legislação brasileira. Vários países têm previsão em seus ordenamentos jurídicos, como Reino Unido, Irlanda, Portugal, Itália, França e Espanha, mas cada uma com adotando um formato diferenciado. Há legislações que proíbem esses benefícios em datas festivas, como a Irlanda e o Reino Unido; em Portugal o prazo não é certo como no Brasil, que adota um prazo de sete dias, renovável mais quatro vezes ao ano; outros critérios em razão ao cumprimento da pena também são adotados em Portugal. Na Itália, por sua vez, a concessão depende do comportamento do preso, e ainda que sua conduta não seja socialmente perigosa, além de um prazo maior para a sua concessão. Na França, uma previsão diferente. A autoridade concedente é o diretor do estabelecimento prisional, que caso de indeferimento, o interessado pode recorrer ao juiz de execução penal.

Antes da novíssima Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, no Brasil, a concessão do benefício é ato privativo do Juiz de Execução Penal, artigo 66, inciso IV, da LEP, ouvidos o Ministério Público e a autoridade administrativa do estabelecimento penal. Assim, conforme dicção do artigo 122 da LEP, os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I – visita à família; II – frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Entrementes, com os vetos dos incisos I e III do artigo 122 da LEP, as hipóteses de cabimento permanecem as mesmas para as três situações. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I – Comportamento adequado;

II – Cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III – Compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

Há quem faça servas críticas às medidas restritivas ao instituto da saidinha temporária, alegando que a sua extinção afetaria o processo de ressocialização do preso, ao que não tem fundamento jurídico, pois a melhor política de reintegração social passa pela oportunidade do trabalho do preso, interno ou externo, com as bases da remição da pena pela atividade laboral, pelos estudos, pela leitura de obras literárias e outras medidas existentes na Lei de Execução Penal.

A saidinha temporária sempre foi um calo na vida da sociedade e um complicador processual dos detentos; a grande maioria não retorna aos presídios e em liberdade acabam praticando novos delitos, em especial, porque a justiça brasileira, benevolente e materna sempre teve o costume de conceder esse benefício em datas comemorativas, Natal, Réveillon, Dia das Mães, Dia dos Pais, Semana Santa, Dia das Crianças, muito embora não tivesse nenhuma norma indicando essa concessão em datas festivas. Onde há grande concentração de pessoas, acaba sendo um atrativo para o cometimento de novas infrações penais, e dessa forma, não entendo prejudicar o detento as restrições legislativas do benefício à saidinha temporária, restando ainda outros benefícios processuais, como as penas restritivas de direito, recolhimento domiciliar, suspensão condicional do processo e da pena, livramento condicional, acordo de não persecução penal, remição penal, saídas temporárias para frequentar cursos, progressão de regime de cumprimento de penas. Se for em Minas Gerais, existe ainda a possibilidade de concessão de férias anuais aos presos.

Diante de tudo isso, ainda deve considerar a existência da ADPF 347, ação constitucional (arguição de descumprimento de preceito fundamental) proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, que pediu ao STF a declaração da existência de um estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, tendo em vista o cenário de grave e massiva violação de direitos fundamentais dos presos. Pede, ainda, a determinação de um conjunto de medidas para reduzir a superlotação das prisões e promover a melhoria das condições de encarceramento. O julgamento ocorreu em 04 de outubro de 2023.

Nesse sentido, por unanimidade dos votos, o Plenário do STF reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho. Afirmou-se que a atual situação das prisões compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos. Com o objetivo de superar tal situação, o STF determinou um conjunto de medidas a serem adotadas pelo Poder Público. Entre tais medidas, fixou-se prazo para que a União, Estados e Distrito Federal, com participação do CNJ, elaborem (em até 6 meses) e executem (em até 3 anos) planos para resolver a situação em suas respectivas unidades. Os prazos para os Estados e o Distrito Federal correrão após a aprovação do plano federal.[1]

Em termos finais, percebe-se que o projeto de lei foi sancionado parcialmente pela presidência da República, que manteve a saidinha temporária de presos para as hipóteses já existentes, ou seja, para visita a familiares, frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução e participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

[1] ADPF 347 Violação massiva de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro. Disponível em https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF347InformaosociedadevF11.pdf.

Certamente, dentro do prazo legal, a matéria do veto retornará ao Congresso Nacional, a teor do artigo 66, § 4º da Constituição da República para análise, em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, com grandes possibilidades para a cassação do veto.

Muito certo é que se houver a cassação da parte vetada, restabelecendo a ideia do projeto de lei original, a matéria deverá ser arguida de inconstitucionalidade junto ao STF, cuja decisão já se imagina qual seja o seu teor. Deverá ser julgada inconstitucional sob alegação que a lei fere com pena de morte o princípio fundamental da individualização da pena, eis que o juiz é quem decide e sabe quais critérios sejam eficazes para a individualização da pena visando alcançar a tão sonhada ressocialização do preso.

A meu sentir, o Brasil possui uma legislação paternalista e ofensiva aos interesses sociais. O criminoso deve fazer um grande esforço para se manter preso nos dias atuais diante das leis em vigor; e quando a lei o alcança, surgem as benesses processuais que logo o colocam novamente em liberdade nas ruas. Uma população prisional acima de 852 mil presos não significa necessariamente que o Brasil prende muito e mal; talvez traduz o pensamento de que vivemos numa sociedade bastante criminosa, e mais que isso, o que é mais grave, assistimos da arquibancada um Estado omisso, cruel e sanguinário, tudo isso, diante de intérpretes benevolentes, militantes tendenciosos que consideram o criminoso como coitadinho ou vítima da sociedade.

Diante dessa crueldade sem igual, uma lei sem efeito prático, resta-nos um pedido de perdão aos familiares e amigos do Sargento Roger Dias que foi brutalmente assassinado por um beneficiário de uma saidinha temporária que não retornou ao presídio no final do benefício, e daqui a pouco esse mesmo delinquente estará novamente nas ruas fazendo novas vítimas.

Familiares de vítimas do crime choram; o filho que sente a falta dos país; a mãe que padece pela falta do filho assassinado; passam por tratamento psiquiátrico; criminosos exibem imagens com posse de armas fogo de grosso calibre, ameaçando o próprio Estado; tiros de fuzis riscando os céus; delinquentes desafiando a polícia; gestores amadores a frente de órgãos públicos de segurança; vendedores de sonhos, de cursos, uma vergonha nacional com a estampa de falência; marcas de tiros por todo lado, sangue jorrando nas calcadas; vítimas decapitadas, olhos arrancados; identidade e marcas do crime organizado desenhadas em muros e paredes; inocentes mortos por balas pedidas; tribunais benevolentes; autoridades públicas militantes; um filme de terror exibido todos os dias no país, de Nanuque a São Paulo.

Vivemos um turbilhão de ameaças concretas, um massacre psicológico; sem lenços e sem documentos, sem esperança e sem proteção de um Estado exangue e sem forças de reação; um Estado que não valoriza os seus policiais; profissionais doentes, síndrome do pânico e estágios avançados de depressão; profissionais abandonados e sem razão; é correto afirmar que viver no Brasil é perigoso; são 98% de chance de o cidadão ser vítima de um criminoso neste país da impunidade. E agora uma legislação materna e condescendente diz que extinguir o benefício da saidinha temporária é atentar contra a ressocialização do preso. Coitado do povo trabalhador que tem seus direitos agredidos por criminosos desalmados; e nem adianta cassar o veto presidencial. Amanhã o STF vai declarar a extinção da saidinha temporária INCONSTITUCIONAL e nas próximas datas comemorativas os criminosos estarão novamente nas ruas, assaltando e roubando, arrancando a paz do cidadão trabalhador, exigindo da polícia mais esforço para tentar prender novamente esses delinquentes.

Portanto, a novíssima lei 14.843, de 2024 pouco ou quase nada acrescenta para o sistema de controle social; pelo contrário, demonstra de forma cabal e insofismável a falência do sistema social, evidencia como o dinheiro do pagador de impostos é jogado fora no esgoto, pois desde de 2011 o projeto caminhava no Congresso Nacional, talvez a passos de tartaruga, mais lento que o “bicho-preguiça” da Praça Tiradentes de Teófilo Otoni, isto porque, treze anos depois uma lei é aprovada e publicada para dizer ao povo brasileiro que se sancionada poderá haver o enfraquecimento dos laços afetivo-familiares dos presos; para afirmar filosoficamente que a projeção temporal de execução da pena exige, do Estado, atuação proativa para a obtenção do equilíbrio entre a privação da liberdade de quem infringiu a lei penal (ação punitiva) e a sua progressiva reintegração (ação preventiva). Vivemos num cenário de falência múltipla dos órgãos, num país dos escândalos, da corrupção pandêmica e da vergonha. E quando aparece alguém na Administração Pública, sério e destemido, querendo consertar essa bagunça, vem logo uma ordem de cima dizendo “pega esse idiota e enterra”.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei de Execuções Penais. Lei nº 7.210, de 84. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm. Acesso em 22 de março de 2024.

BRASIL. Código Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 22 de março de 2024. BRSIL. Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14843.htm. Acesso em 11 de abril de 2024.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui