A violência contra a mulher não é um fato novo. Pelo contrário, é tão antigo quanto a humanidade. O que é novo, e muito recente, é a preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção de nossa humanidade. E mais novo ainda é a judicialização do problema, entendendo a judicialização como a criminalização da violência contra as mulheres, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas, mediante as quais o aparelho policial e/ou jurídico pode ser mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores. (Mapa da Violência de 2015. 1ª Edição Brasília – DF – 2015)
É tempo de cancelar da nossa vida aquilo que não vale a pena, e, nesse sentido, valorizar o que é mais importante: viver a vida com muita luz e sabedoria, sempre rechaçando as trevas que nos fazem perder os caminhos na escuridão do tempo. É tempo de amar mais, com intensidade, fraternidade e espírito de amor desmedido, pois quem não sabe amar o semelhante não está preparado para viver em sociedade. Um dia, certamente, a sociedade deixará de aplicar, naturalmente, a excepcionalidade da Lei Maria da Penha, porque os homens aprenderão a respeitar e valorizar as mulheres, sem necessidade de imperativo de leis e sem a necessidade de sentimento de posse. (Prof. Jeferson Botelho)
Hoje, 07 de agosto de 2024, uma data muito importante para a história da sociedade brasileira, aniversário dos 18 anos de existência da Lei Maria da Penha do Brasil. São quase duas décadas de existência de uma norma de proteção aos legítimos direitos da mulher. Conquista que entra para o rol de ações de afirmação e aprimoramento da promoção dos direitos humanos; uma longa história de sofrimento, superação, avanços e conquistas para a humanidade. Um feixe de luz é lançado sobre a sociedade brasileira; uma espécie de iluminismo contemporâneo na defesa dos interesses e direitos das mulheres; um salvo-conduto simbolizando liberdade e proteção; instrumento de combate à repressão levado a efeito por uma categoria minoritária que se acha melhor que todo mundo, uma minoria arrogante que pensa ser o dono do mundo, lembrando que o gênero homem é apenas e tão somente parte de uma engrenagem social, apenas uma anatomia, nada mais que isso, ninguém é superior a ninguém, e assim, caminha a humanidade com sua dinamicidade.
Com esse espírito fraternal, de empoderamento, de humanismo petrarquiano, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada LEI MARIA DA PENHA, nasce da necessidade premente de se protegerem os direitos da mulher no Brasil, diante da abjeta violência exacerbada, e, para o eficaz enfrentamento, logo no seu artigo 1º, a festejada lei anuncia como objetivo a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, com base na Constituição da República de 1988, na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, de 1979, e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
É certo que não há espaço no mundo atual para fomentar ideias de desigualdades entre homens e mulheres, em desrespeito aos direitos de 4ª Dimensão, e, tanto isso é verdade, que todas as Constituições brasileiras, desde 1824, dispõem sobre o princípio da igualdade. Assim, temos a chamada igualdade formal; todavia, o que se busca doravante é a tão sonhada e almejada igualdade material. Dessa forma, é mister reproduzir os termos de todas as Cartas Magnas deste torrão acerca da igualdade entre homens e mulheres, a saber:
I – CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO DE 1824 (art. 178, XII): A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.
II – CONSTITUIÇÃO DA R EPÚBLICA DE 1891 (art. 72, § 2º): Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
III – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1934 (art. 113, § 1º): Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou do país, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas.
IV – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1937 (art. 122, § 1º): Todos são iguais perante a lei.
V – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1946 (art. 141, § 1º): Todos são iguais perante a lei.
VI – CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1967 (art. 153): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei.
VII – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 1969 (art. 153, § 1º): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito de raça
VIII (art. 5º): CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 (art. 5º): Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Logo no artigo 226, a Carta Magna preceitua que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, sendo que no § 8º o mesmo dispositivo informa que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, de 1979, é o principal instrumento internacional na luta pela igualdade de gênero e para a liberação da discriminação, seja ela perpetrada por Estados, indivíduos, empresas ou organizações. Atualmente, são 186 os Estados partícipes da Convenção.
A referida Convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984, revogado pelo DECRETO Nº 4.377, DE 13 DE SETEMBRO DE 2002, que promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Forças de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e por sua vez revoga o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984, in verbis:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, pelo Decreto Legislativo nº 93, de 14 de novembro de 1983, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinada pela República Federativa do Brasil, em Nova York, no dia 31 de março de 1981, com reservas aos seus artigos 15, parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas (a), (c), (g) e (h);
Considerando que, pelo Decreto Legislativo nº 26, de 22 de junho de 1994, o Congresso Nacional revogou o citado Decreto Legislativo nº 93, aprovando a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, inclusive os citados artigos 15, parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas (a), (c), (g) e (h);
Considerando que o Brasil retirou as mencionadas reservas em 20 de dezembro de 1994;
Considerando que a Convenção entrou em vigor, para o Brasil, em 2 de março de 1984, com a reserva facultada em seu art. 29, parágrafo 2;
DECRETA:
Art. 1º A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de dezembro de 1979, apensa por cópia ao presente Decreto, com reserva facultada em seu art. 29, parágrafo 2, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.
Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção, assim como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º Fica revogado o Decreto nº 89.460, de 20 de março de 1984.
Brasília, 13 de setembro de 2002; 181º da Independência e 114º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Osmar Chohfi
A CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER é formada por trinta artigos, considerando que a Carta das Nações Unidas reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher.
Considera que a Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o princípio da não discriminação e proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que toda pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades proclamados nessa Declaração, sem distinção alguma, inclusive de sexo, e que os Estados-Partes nas Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos têm a obrigação de garantir ao homem e à mulher a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos.
Relembra que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da à dignidade humana; dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país; constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família; e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade.
Salienta que a eliminação do apartheid, de todas as formas de racismo, discriminação racial, colonialismo, neocolonialismo, agressão, ocupação estrangeira e dominação e interferência nos assuntos internos dos Estados é essencial para o pleno exercício dos direitos do homem e da mulher.
Reafirma que o fortalecimento da paz e da segurança internacionais, o alívio da tensão internacional, a cooperação mútua entre todos os Estados, independentemente de seus sistemas econômicos e sociais, o desarmamento geral e completo, e, em ização do direito dos povos submetidos à dominação colonial e estrangeira e a ocupação estrangeira, à autodeterminação e independência, bem como o respeito da soberania nacional e da integridade territorial, promoverão o progresso e o desenvolvimento sociais, e, em consequência, contribuirão para a realização da plena igualdade entre o homem e a mulher.
A Convenção se convence que a participação máxima da mulher, em igualdade de condições com o homem, em todos os campos, é indispensável para o desenvolvimento pleno e completo de um país, o bem-estar do mundo e a causa da paz. Reconhece, outrossim, que, para alcançar a plena igualdade entre o homem e a mulher, é necessário modificar o papel tradicional tanto do homem como da mulher na sociedade e na família.
E, assim, resolve aplicar os princípios enunciados na Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e, para isso, adotar as medidas necessárias a fim de suprimir essa discriminação em todas as suas formas e manifestações.
A Convenção traz disposições importantes ao longo dos seus trinta artigos e, logo no artigo 1º, define a expressão “discriminação contra a mulher” como sendo toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Neves e sua esposa, Dra. Maria Beatriz Cunha Cicci Neves
Condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas; concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio;
b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;
d) abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;
e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;
f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;
g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.
E, por fim, a Lei Maria da Penha, no artigo 1º, também faz menção à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a famosa Convenção de Belém do Pará, adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral. A referida Convenção foi ratificada por meio do Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996.
Da mesma forma, reconhece que o respeito irrestrito aos direitos humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e reafirmado em outros instrumentos internacionais e regionais.
Afirma-se que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita, total ou parcialmente, a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades.
Convence que a eliminação da violência contra a mulher é condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social e sua plena e igualitária participação em todas as esferas de vida, e que a adoção de uma convenção para prevenir, punir e erradicar todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, constitui positiva contribuição no sentido de proteger os direitos da mulher e eliminar as situações de violência contra ela.
A Convenção de Belém do Pará compõe-se de 25 (vinte e cinco) artigos, sendo que, de acordo com o artigo 1º, entende-se por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na privada.
O texto da Convenção enumera três modalidades de violência contra a mulher, a violência física, sexual e psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Os Capítulos III e IV definem os direitos protegidos e os deveres dos Estados. Acerca dos direitos protegidos, nos artigos 3º, 4º, 5º e 6º, define-se que toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na privada. Assim, toda mulher tem direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos.
Estes direitos abrangem, entre outros:
a. direito a que se respeite sua vida;
b. direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral;
c. direito à liberdade e à segurança pessoais;
d. direito a não ser submetida à tortura;
e. direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família;
f. direito a igual proteção perante a lei e da lei;
g. direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos;
h. direito de livre associação;
i. direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e
j. direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.
E continua assegurando que toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos.
Os Estados-Partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos. O direito de toda mulher a ser livre de violência abrange, entre outros, o direito da mulher a ser livre de todas as formas de discriminação e o direito a ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade ou subordinação.
No tocante aos deveres dos Estados, esses condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:
a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;
b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;
c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;
d. adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;
e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;
f. estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;
g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;
h. adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.
Os Estados-Partes da Convenção do Belém do Pará comprometem-se em adotar, progressivamente, medidas específicas, inclusive programas destinados a:
a. promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos;
b. modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher;
c. promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher;
d. prestar serviços especializados apropriados à mulher sujeitada a violência, por intermédio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação familiar, quando for o caso, e atendimento e custódia dos menores afetados;
e. promover e apoiar programas de educação governamentais e privados, destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência;
f. proporcionar à mulher sujeitada a violência acesso a programas eficazes de reabilitação e treinamento que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada e social;
g. incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas de divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da mulher;
h. assegurar a pesquisa e coleta de estatísticas e outras informações relevantes concernentes às causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, a fim de avaliar a eficiência das medidas tomadas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como formular e implementar as mudanças necessárias; e
i. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências, bem como a execução de programas destinados à proteção da mulher sujeitada a violência.
Para a adoção das medidas a que se refere este capítulo, os Estados-Partes levarão especialmente em conta a situação da mulher vulnerável à violência por sua raça, origem étnica ou condição de migrante, de refugiada ou de deslocada, entre outros motivos. Também será considerada sujeitada à violência a gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação socioeconômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de privação da liberdade.
Torna-se relevante salientar que a Lei Maria da Penha, durante sua existência de (dezoito) anos, comemorado neste ano de 2024, sofreu inúmeras atualizações do seu texto legal, exatamente 16 modificações, a saber:
- Lei nº 13.505, de 2017;
- Lei nº 13.772, de 2018;
- Lei nº 13.641, de 2018;
- Lei nº 13.894, de 2019;
- Lei nº 13.882, de 2019;
- Lei nº 13.880, de 2019;
- Lei nº 13.836, de 2019;
- Lei nº 13.827, de 2019;
- Lei nº 13.871, de 2019;
- Lei nº 13.984, de 2020;
- Lei nº 14.188, de 2021;
- Lei nº 14.310, de 2022;
- Lei nº 14.316, de 2022;
- Lei nº 14.550, de 2023;
- Lei nº 14.674, de 2023; e
- Lei nº 14.887, de 2024.
A Lei nº 14.310, última legislação do ano de 2022, o comando normativo da Lei Maria da Penha ganhou importante reforço na prevenção da violência doméstica e familiar, usando-se da tecnologia e do sistema de informações das polícias, como aliados na proteção integral, prevenção geral e tentativas de minimizar os efeitos da violência nojenta e abominável, numa sociedade machista, desigual e repugnante, tudo isso enquanto não haja mudança de cultura da violência doméstica contra a mulher no Brasil, até que um dia se possa sonhar em revogar a Lei Maria da Penha, porque chegará o grande dia em que os homens aprenderão a respeitar os direitos das mulheres.
Ainda na perspectiva de aprimoramento da norma, entrou em vigor em 30 de março de 2022, a Lei nº 14.316, 2022, fruto do Projeto de Lei 123, de 2019, que alterou a Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, para destinar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) visando implementar com rigor as ações de enfrentamento da violência contra a mulher.
A recente lei acrescentou o inciso XII, no artigo 5º da Lei do Fundo Nacional para prever as ações de enfrentamento da violência contra a mulher, como nova destinação dos recursos do FNSP.
Destarte, no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos empenhados do FNSP devem ser destinados a ações de enfrentamento da violência contra a mulher.
Acrescentou -se no artigo 8º da 13.756, de 2018, o inciso V, o qual se destina ao desenvolvimento e à implementação de um plano estadual e distrital de combate à violência contra a mulher, lembrando que tal plano adotará tratamento específico para as mulheres indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais.
Por último, importa salientar que consoante o artigo 17, parágrafo único, da Lei 13.756, de 2018, entre os critérios de aplicação dos recursos do FNSP, serão incluídos metas e resultados relativos à prevenção e ao combate à violência contra a mulher.
Desta feita, de acordo com a nova redação do artigo 38-A da Lei Maria da Penha, determinada pela Lei nº 14.310, de 08 de março de 2022, as medidas protetivas de urgência serão, após sua concessão, imediatamente registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso instantâneo do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas, que entrará em vigor noventa dias após a sua publicação, exatamente no dia 07 de junho de 2022, numa terça-feira, consoante a rubrica do artigo 8º da Lei Complementar nº 95, de 1998.
A última lei do ano de 2023 modificou o relevante tema das medidas protetivas de urgência à ofendida, para inserir o inciso VI, no artigo 23 da Lei Maria da Penha, concedendo à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses, assunto que será tratado no Capitulo 22 desta obra.
Assim, no campo das modificações legislativas no âmbito da Lei Maria da Penha, a última modificação ocorreu com advento da Lei nº 14.887, de 2024, que entrou em vigor dia 13 de junho de 2024, deu nova redação ao art. 9º da Lei Maria da Penha, in verbis:
“Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada em caráter prioritário no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único de Segurança Pública (Susp), de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), e em outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente, quando for o caso.
Importar salientar que durante esses 18 anos, inúmeras outras leis especiais foram modificadas a fim de aprimorar o sistema de garantias dos direitos das mulheres no Brasil, como a lei processual penal, a lei do SUS tantas outras.
No campo da realidade, mais uma vez o legislador cria normas de proteção aos direitos da mulher. Assim, mais uma feliz uma tentativa de o legislador pátrio de fortalecer as medidas de proteção e combate à violência contra a mulher, lembrando que a referida lei não ampara tão somente as mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, mas todas as mulheres estão inseridas no âmbito da proteção da norma, agora para destinar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para as ações de enfrentamento da violência contra a mulher.
Há necessidade de envidar esforços diários, constantes, salientando que todo e qualquer meio de obstar a violência contra a mulher deve sempre receber eco social, notadamente, daquelas pessoas que amam respeitar valores, que nasceram para fazer a diferença, sendo preciso gritar bem alto para que todos possam ouvir, e assim, pavimentar o caminho da paz, do amor, da ética e da valorização, e nessa toada cada homem deve trilhar por esse caminho da clareza, carregando nas mãos uma bússola, na alma o sentimento de solidariedade, no coração a certeza do amor, transcendental, pulsando forte e despertando para a vida, os olhos apontando a exata direção da luz, que nos conduz ao caminho do respeito e fidelidade aos direitos da mulher.
Como se ressaltou anteriormente, outras leis de aprimoramento da Lei Maria da Penha modificaram o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, além de outras normas independentes.
Com todo esse aparato de garantias, a Lei Maria da Penha, foi considerada pela ONU a terceira lei mais importante do mundo, mas que infelizmente tem vigência num território que ocupa a quinta posição no ranking de país mais violento no mundo, em casos de feminicídio, uma verdadeira e indubitável incongruência em termos práticos e teóricos. Os pesquisadores usaram como base dados de 2013, que colocam apenas El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia à frente do Brasil.
E, assim, sobre esse ranking de terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, a doutrina tem exaltado essa marca, conforme aponta DIAS em ensaio sobre a temática:
A Lei nº 11.340, de 07/08/2006 (Lei Maria da Penha) é considerada, pela Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica, perdendo apenas para Espanha e Chile. A dianteira ficou com a lei espanhola considerada a melhor legislação no enfretamento a violência doméstica seguida pela legislação chilena. A lei espanhola (Lei Orgânica 1/2004) estabelece medidas de proteção integrada contra a violência de gênero. A violência de gênero a que se refere inclui qualquer ato de violência física e psicológica, incluindo os delitos contra a liberdade sexual, ameaças, coerção ou privação arbitrária de liberdade. A lei buscou estabelecer mecanismo de formação humana através de sistema de ensino integrado, com inserção de matérias desde o ensino fundamental até o universitário. O sistema educativo espanhol inclui, entre os seus fins de formação, o respeito aos direitos, liberdades e igualdades entre homens e mulheres, bem como da tolerância ao exercício e liberdade dentro dos princípios democráticos de convivência. O sistema de ensino espanhol esquadrinha a eliminação das barreiras para a plena igualdade entre homens e mulheres e treinamento para prevenção de conflitos e de sua solução pacífica. O aluno é estimulado a desenvolver capacidade de adquirir habilidades em resolução pacífica de conflitos e para compreender o respeito. A segunda melhor legislação é a lei chilena, que tem por propósito estabelecer mecanismo para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e dar proteção às vítimas; impõe-se o dever ao Estado de adotar as medidas necessárias para garantir a vida, a integridade pessoal e a segurança dos membros da família. Segundo a lei do Chile, o Estado deve adotar políticas de prevenção da violência doméstica, especialmente contra mulheres, adultos idosos e crianças, e auxiliar vítimas. A Lei Maria da Penha estabeleceu mecanismo de enfrentamento à violência doméstica em que figura como agressor o homem e vítima a mulher. O legislador brasileiro não conseguiu assimilar que a violência doméstica não fica restrita a homem/mulher. Nesse ponto, o legislador chileno sobressaiu-se, estabelecendo mecanismo de prevenção à violência doméstica, especialmente contra mulheres, idosos e crianças. Destarte, não importa se a vítima seja homem ou mulher, ou que a violência seja decorrente de união homoafetiva, bastando apenas que seja perpetrada no âmbito doméstico para se ter a proteção estabelecida na lei. Da mesma forma, o legislador espanhol, com os olhos voltados para formação educacional, estabeleceu mecanismo para combater a violência de gêneros. Assim, acertadamente levou o título de melhor lei do mundo. A violência de gênero é um conceito mais amplo que o de violência contra a mulher. Em termo, gênero não fica restrito ao conceito de homem e mulher. Estaria vinculado à compreensão psicológica que reproduz uma relação de poder onde se entrelaçam as categorias de gêneros.[2]
Para o eficaz enfrentamento da violência doméstica e familiar, o Estado de Minas Gerais possui uma REDE DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.
Essa rede de enfrentamento desenvolve, desde 2006, ações articuladas em Belo Horizonte, na Região Metropolitana e em outros municípios do Estado de Minas, com o objetivo de juntar esforços para a efetivação das políticas públicas, trabalhando na perspectiva de que as soluções dos casos sejam rápidas, eficazes e transformadoras. E que assim se enfrente a impunidade com a responsabilização e a punição dos agressores.[3]
À guisa de exemplos, na Polícia Militar de Minas Gerais, existe a Patrulha de Violência Doméstica-SPVD e, na Polícia Civil de Minas Gerais, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher- DEAM.
[1] DIAS. Elves. Lei Maria da Penha. A 3ª melhor Lei do Mundo. Revista Jus Navegandi.
[1] Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais. Disponível em http://conselhos.social.mg.gov.br/cem/. Acesso em 16 de janeiro de 2022.
Fortalecendo o aparato, há o Conselho Estadual da Mulher- CEM/MG, a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais/COMSIV; pelo Ministério Público de Minas Gerais, tem-se o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – CAO-VD, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Controle Externo da Atividade Policial e Apoio Comunitário (CAO-DH).
Por parte da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública – SEJUSP, existe a Subsecretaria de Prevenção Social a Criminalidade/Programa Mediação de Conflito.
Ainda, na Polícia Civil de Minas Gerais, existe campanha “O Silêncio Também Mata”, de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. A campanha visa, cada vez mais, a conscientizar toda sociedade da imprescindibilidade da atuação conjunta no enfrentamento à violência contra a mulher, alcançando locais que anteriormente tais questões não eram comumente abordadas.
“A violência contra a mulher é um problema complexo, de raízes sociais profundas, que ferem os direitos fundamentais e indisponíveis do ser humano. É um problema também de saúde pública global”, enfatiza a delegada Ana Paula Balbino, uma das idealizadoras do projeto.
No Diagnóstico de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, em Minas Gerais, a violência se traduz em tipos penais.
Assim, a VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: ENTENDIMENTO E TIPIFICAÇÃO, tem-se que a prioridade dada à compreensão dos delitos cometidos contra a mulher deve-se à seriedade com que têm sido considerados pelo público em geral, uma vez que são percebidos como uma ameaça aos direitos fundamentais à vida e à propriedade, bem como à qualidade e bem-estar social. Como resultado, a definição dos tipos de violência e a classificação dos crimes e delitos que compõem estes tipos tornam mais acurados e mais precisos os objetivos desse diagnóstico.[4]
Porém, cabe ressaltar que essa tipologia está sujeita a diferenças institucionais de classificação. Nesse sentido, os crimes contra a mulher tratados no presente estudo são compostos pelos seguintes tipos de delito: violência física, violência psicológica, violência patrimonial, violência moral e violência sexual.
[4] Diagnóstico de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Minas Gerais. Disponível em http://www.seguranca.mg.gov.br/images/2020/Maio/Diagnosticos/Diagnostico_mulher_completo2015.pdf. Acesso em 16 de janeiro de 2022.
A composição dessa tipificação, baseada na Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), considerou naturezas criminais e delituosas que se apresentaram mais compatíveis com as definições dos tipos de violência contemplados no referido dispositivo legal, a saber:
Violência física. É entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher, como lesão corporal, art. 129, § 9º, do CP; homicídio, art. 121 do CP; tortura, art. 1º da Lei nº 9.455, de 1997; e vias e fato/agressão, art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688, de 1941.
Violência psicológica. É entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique, perturbe o pleno desenvolvimento e que vise a degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir, ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Assim, nesse tipo de violência, encontram-se o abandono material, art. 244 do CP; ameaça, art. 147 do CP; atrito verbal, constrangimento ilegal, art. 146 do CP; maus tratos, art. 136 do CP; perturbação do trabalho ou do sossego alheio, artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.688, de 41; sequestro) e cárcere privado, artigo 148 do CP; e violação de domicílio, artigo 150 do Código Penal.
A modalidade de violência sexual é entendida como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force a matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno, ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos, a exemplo dos crimes de assédio sexual, art. 216-A do CP; estupro, art. 213 do CP; violação sexual mediante fraude, art. 215 do CP; estupro de vulnerável, art. 217-A do CP; importunação sexual, art. 215-A do CP; registro não autorizado da intimidade sexual, art. 216-B; e outras infrações contra a dignidade sexual e a família.
A violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Nesse rol de violência patrimonial, figuram os crimes de apropriação indébita, art. 168 do CP; dano, art. 163 do CP; estelionato, art. 171 do CP; extorsão art. 158 do CP; extorsão mediante sequestro, art. 159 do CP; furto, art. 155 do CP; furto de coisa comum, art. 156 do CP; e roubo, art. 157 do Código Penal.
Por sua vez, a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, artigos 138, 139 e 140, todos do CP, respectivamente. E, por último, existe a classificação de outras violências. Sobre essa denominação, foram consideradas todas as ocorrências registradas cuja natureza é descrita como infrações contra a mulher (violência doméstica) sem distinção do tipo de ocorrência verificada. Conforme o Relatório Estatístico: Diagnóstico da violência doméstica e familiar contra a mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) do Estado de Minas Gerais,da Polícia Civil de Minas Gerais, datado de agosto de 2021, a Tabela 01 evidencia o quantitativo de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher por RISP desde o primeiro semestre de 2019 ao primeiro semestre de 2021.
Os dados evidenciam que a RISP 01, sediada em Belo Horizonte, apresentou em todos os semestres o maior quantitativo de vítimas de violência doméstica contra a mulher, seguido da RISP 02, sediada em Contagem, pelas RISP 04, sediada em Juiz de Fora, e RISP 12, sediada em Ipatinga.
TABELA 01: Quantitativo de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, por RISP, ano e semestre.
REGIÃO INTEGRADA DE SEGURANÇA PÚBLICA | 1º Semestre 2019 | 2º Semestre 2019 | TOTAL 2019 | 1º Semestre 2020 | 2º Semestre 2020 | TOTAL 2020 | 1º Semestre 2021 |
RISP 01-Belo Horizonte | 9.224 | 9.424 | 18.648 | 8.313 | 8.631 | 16.944 | 8.522 |
RISP 02-Contagem | 6.653 | 6.911 | 13.564 | 6.183 | 7.106 | 13.289 | 6.783 |
RISP 03-Vespasiano | 4.120 | 4.235 | 8.355 | 4.017 | 4.336 | 8.353 | 3.939 |
RISP 04-Juiz de Fora | 6.186 | 6.008 | 12.194 | 5.591 | 5.646 | 11.237 | 5.537 |
RISP 05-Uberaba | 3.187 | 3.436 | 6.623 | 3.276 | 3.705 | 6.981 | 3.219 |
RISP 06-Lavras | 3.228 | 3.237 | 6.465 | 2.912 | 3.350 | 6.262 | 3.036 |
RISP 07-Divinópolis | 4.378 | 4.465 | 8.843 | 4.080 | 4.320 | 8.400 | 3.916 |
RISP 08-Governador Valadares | 2.930 | 2.854 | 5.784 | 2.687 | 2.900 | 5.587 | 2.754 |
RISP 09-Uberlândia | 3.305 | 3.440 | 6.745 | 3.229 | 3.338 | 6.567 | 2.976 |
RISP 10-Patos de Minas | 2.165 | 2.139 | 4.304 | 2.113 | 2.230 | 4.343 | 2.066 |
RISP 11-Montes Claros | 4.415 | 4.641 | 9.056 | 4.178 | 4.399 | 8.577 | 4.325 |
RISP 12-Ipatinga | 5.852 | 5.820 | 11.672 | 5.496 | 5.998 | 11.494 | 5.745 |
RISP 13-Barbacena | 3.262 | 2.922 | 6.184 | 2.726 | 2.933 | 5.659 | 2.853 |
RISP 14-Curvelo | 2.834 | 2.757 | 5.591 | 2.576 | 2.797 | 5.373 | 2.390 |
RISP 15 Teófilo Otoni | 3.238 | 3.061 | 6.299 | 2.894 | 3.055 | 5.949 | 2.824 |
RISP 16-Unai | 1.268 | 1.293 | 2.561 | 1.194 | 1.263 | 2.457 | 1.184 |
RISP 17-Pouso Alegre | 2.947 | 2.929 | 5.876 | 2.807 | 3.089 | 5.896 | 2.832 |
RISP 18-Poços de Caldas | 4.192 | 4.082 | 8.274 | 3.851 | 4.200 | 8.051 | 3.718 |
RISP 19-Sete Lagoas | 1.872 | 2.062 | 3.934 | 1.844 | 2.008 | 3.852 | 1.831 |
MINAS GERAIS | 75.256 | 75.716 | 150.972 | 69.967 | 75.304 | 145.271 | 70.450 |
Fonte: Relatório Estatístico: Diagnóstico da violência doméstica e familiar contra a mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) do Estado de Minas Gerais, 2021, p.13.
Gráfico 01: Quantitativo de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher por RISP e semestre
Fonte: Relatório Estatístico: Diagnóstico da violência doméstica e familiar contra a mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) do Estado de Minas Gerais, 2021, p.14.
FIGURA 01: Mapa do quantitativo de vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher nas RISPs do Estado (1º semestre de 2021)
Fonte: Relatório Estatístico: Diagnóstico da violência doméstica e familiar contra a mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) do Estado de Minas Gerais, 2021, p.15.
Das Reflexões Finais
Com todo esse aparato de garantias e salvaguardas, a Lei Maria da Penha, foi considerada pela ONU a terceira lei mais importante do mundo, mas que infelizmente tem vigência num território que ocupa a quinta posição no ranking de país mais violento no mundo, em casos de feminicídio, uma verdadeira e indubitável incongruência em termos práticos e teóricos. Os pesquisadores usaram como base dados de 2013, que colocam apenas El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia à frente do Brasil. A violência contra a mulher cresceu no ano passado, no Brasil, em comparação ao ano de 2022, segundo dados da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados recentemente.
No total, 1.238.208 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil, somente em 2023. Os números envolvem homicídio e feminicídio (consumadas e tentadas), agressões em contexto de violência doméstica, ameaça, perseguição (stalking), violência psicológica e estupro.[5]
Espera-se que não seja tão somente uma utopia, uma luz radiante efêmera, fugaz, uma quimera qualquer, mas que seja a Lei Maria da Penha uma legislação meramente temporária ou excepcional, com tempo marcado para perder a vigência, ou por conta de um tempo puramente excepcional, porque logo os homens passarão a respeitar os direitos da mulher – tudo natural e espontaneamente e nesse caso, não haverá mais necessidade da existência dessas leis, ficarão arquivadas nos alfarrábios do tempo, ficarão depositadas nos museus históricos – e saberão reconhecer que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais, tomarão ciência da realidade de que o papel da mulher é infinitamente o mais importante nas relações humanas, imprescindível e inegociável, porque mulher é símbolo de garra, dedicação, amor, superação, a verdadeira heroína que faz toda a diferença na humanidade.
[5] Dados divulgados pela Universa UOL em 18 de julho de 2024.
A violência é a pior cegueira do mundo. Quando enxergarmos que somente a coletividade pode construir um futuro melhor, seguiremos rumo a um horizonte mais igualitário. Assim, combater a violência contra a mulher é exercício de atividade constante na sociedade atual. Não há espaços para estagnação. As ações devem ser contínuas, uma necessidade perene e dinâmica; deve ser um ato de repetição, até que um dia se possa sonhar num exercício totalmente inócuo, porque os homens aprenderão a respeitar naturalmente os direitos das mulheres.
Nesse sentido, não custa nada sonhar que um dia a norma de proteção à mulher será meramente simbólica, pois mesmo em pleno vigor não será mais aplicada porque caiu em desuso, será uma lei puramente de enfeite, e assim, o Delegado de Polícia, o Promotor de Justiça, o Advogado, o Defensor Público e os Juízes, todos estarão desempregados porque não haverá mais casos para investigar nem tampouco processos para julgamentos.
Nesse dia, os corações baterão de profunda alegria, lágrimas cairão dos olhos, aviões farão sobrevoos rasos jogando flores vermelhas, pétalas brancas cairão nas cabeças dos homens, cartazes anunciarão o fim da violência, ouvirão chilreios de pássaros, escutarão melodias de amor, no alto das montanhas formarão lindos arrebóis, crianças correndo nos bosques, alto-falantes anunciarão mensagens de motivação, de amor profundo.
Mas por enquanto é preciso parar de sonhar. É hora de acordar. Nesse sentido, mais uma vez o legislador pátrio modificou a norma, no sentido de amparar e apoiar as ações de enfrentamento à violência contra a mulher.
Em cada alvorecer nasce uma esperança de dias melhores; e quando o homem passar a respeitar naturalmente os direitos das mulheres, sem necessidade de leis coercitivas, certamente, nesse dia haverá maior brilho lunar, as estrelas hão de colorir a obscuridade da terra; o sol brilhará com maior intensidade, os pássaros cantarão em sinfonia; trovões anunciarão a paz na humanidade, a primavera estará mais florida; o arco-íris riscará os céus com brilho de cores; os poetas líricos despertarão suspiros poéticos e saudades; o mundo anunciará a paz entre os homens num minuto de silêncio; um turbilhão de luzes iluminando as mentes dos homens, dando-lhes discernimento e sabedoria para entenderem que as mulheres são néctar de paz, são sujeitos de direitos, dotadas de grande amor no coração, imprescindíveis para o crescimento da humanidade; passarão a entender que elas estão para a sociedade como o oxigênio está para a vida.
Por derradeiro, vamos parar de estimular romantismo penal e fazer uma reflexão muito séria. Se o Brasil possui uma das leis mais importantes do mundo na defesa dos direitos da mulher, segundo entendimento da ONU, não pode figurar no ranking de 5º país onde mais se pratica feminicídios no mundo, então é hora de refletir e mudar imediatamente o aplicador da lei; menos mídias e mais efetividade nas Instituições de combate à criminalidade; menos garantismo penal simbólico e monocular; mudanças nos atores que trabalham no combate à essa modalidade criminosa; decerto precisamos de menos narcisismos e mais efetividade nas ações preventivas e repressivas; todo dia uma mulher entra para as estatísticas criminais neste país da impunidade; hoje, por ser um dia simbólico de comemoração dos 18 anos da Lei Maria da Penha todo mundo vai para as redes sociais falar sobre conscientização social e educação nas escolas sobre esse gravíssimo problema de violência contra a Mulher, mas o próprio Estado é o principal responsável quando alguns afirmam que a Lei Maria da Penha é um conjunto de normas diabólicas. É preciso parar de falar e fazer mais. O problema não está nas leis; seguramente, ele está no intérprete das leis, encontra-se na interface entre o computador e a cadeira giratória nos gabinetes suntuosos. O problema reside na incompetência de quem faz gestão governamental. Verdadeiros amadores a procura de holofotes. Daqui a pouco começam as campanhas eleitorais e vão aparecer um monte de idólatras de plantão falando em políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher. Um bando de oportunistas num banquete de engodos.
REFERÊNCIAS
BOTELHO. Jeferson. Capítulo 1º do Livro Violência Doméstica. Avanços e Desafios da Lei Maria da Penha como Aparato de Prevenção. Editora Mizuno. 2ª edição. 2024.
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340, de 2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022, às 08h29min.
BRASIL. Decreto 4.377, DE 13 DE SETEMBRO DE 2002. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022.
BRASIL. 13.505, de 2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13505.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022.
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BRASIL. Lei nº 13.641, de 2018. Disponível em .http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13641.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022.
BRASIL.Lei 13.894, de 2019. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13894.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022.
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CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm. Acesso em 14 de janeiro de 2022.
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