Eleições: prisões, cadeiradas e arranhões à democracia

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Por Jeferson Botelho
Delegado Geral de Polícia – Aposentado. Prof. de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Ciência das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Especialização em Combate à corrupção, antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Advogado. Autor de livros
“É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução”. (José Ortega y Gasset)

Resumo: O autor do texto em pleno exercício de seus direitos fundamentais, plasmados na inteligência do artigo 5º , inciso IV da CF/88 c/c artigo 13 do Pacto de São José da Costa Rica, discorre sobre as eleições de 2024, abordando a possibilidade de prisões de eleitores nos 5 dias antes e 48 horas depois das eleições, numa visão agasalhada num processo estrutural das garantias eleitorais, enfrenta a indústria do ódio nas liberdades públicas, com ênfase no simbolismo tupiniquim das cadeiradas do terror, com argumentos vazios  acerca da segregação dos homens bons como estratégia abjeta daqueles que exercem os podres poderes homiziados em gabinetes suntuosos arrastando um monte de  asseclas em face do uso abusivo do poder estampado pela impunidade imposta e acobertada pela teoria do chapabranquismo estonteante e nojento num país de incoerências e exaltação da vanglória da mediocridade.

Palavras-chave: Direito; eleitoral; liberdade; cidadania; democracia; garantias.

No próximo dia 06 de outubro, domingo, o povo brasileiro vai exercer a chamada democracia eleitoral em 5.570 municípios de todo o país, um modelo de sistema político em que a escolha dos governantes é feita através do voto. Certamente, a população tem o poder de eleger seus representantes e participar ativamente da tomada de decisões políticas. Por quase seis décadas, uma das garantias eleitorais ainda continua muito atual, a excepcionalidade das prisões nas proximidades do pleito. Nasceu na época das exceções brutais e da necessidade de conter as arbitrariedades estatais, e hoje, em plena democracia concretista, da revolução tecnológica continua tão atual, em face de uma sociedade dominada pelo ódio, individualismo, pela violência desmedida, fruto do desamor ao próximo, próprio de uma sociedade eminentemente líquida.

A questão ganha relevância social e jurídica. Social porque serão escolhidos nossos representantes políticos para os próximos quatro anos. Importância jurídica porque dentre os outros temas de relevo, temos a questão do instituto da prisão, que nas eleições ganha contornos especiais.

Assim, como regra, classificada como garantia fundamental, temos que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LXI, da Constituição da República de 1988.

Acontece que o Código Eleitoral de 1965, tem tratamento diferente quanto à prisão, editado numa época em que a opressão estatal era mais comum, e pessoas eram presas arbitrariamente, para não votarem neste ou naquele candidato ou partido. Não obstante, a distância temporal, a redemocratização do País e a implantação do estado de direito, a posição doutrinária entende que os dispositivos eleitorais ainda se encontram em vigor.

Destarte, o Código Eleitoral, na Parte Quinta, do Título I, a partir do artigo 234 enumera as chamadas garantias eleitorais, e, especificamente sobre a dinâmica da prisão, esta é disciplinada textualmente no art. 236, in verbis:

Art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.

Destarte, a regra do comando normativo do artigo 236 do Código Eleitoral, começa a valer a partir desta terça-feira, dia 01 de outubro de 2024, e se estende até dia 08 de outubro, isso nas eleições de 1º turno. Nos locais de 2º turno, este prazo será outro, segundo a data de realização do segundo turno, no caso dia 27 de outubro de 2024, se houver, devendo ser contado 05 dias antes e 48 horas depois. Assim, o prazo será desde o dia 22 de outubro, e se estende até dia 29 de outubro. Mas muita calma dessa hora. As garantias eleitorais não são carta branca para o cometimento de crime. Quem vier a praticar crimes, poderá ser preso em flagrante delito, a teor do artigo 302 e seguintes do Código de Processo penal. Assim, as garantias eleitorais previstas no art. 236 do Código Eleitoral alcançam tão somente as modalidades de prisões provisórias, ou seja, temporária e preventiva, bem assim, a prisão por débito alimentar, e as prisões decorrentes de sentença penal condenatória por crime afiançável.

Em resumo, não estão acobertadas pelas garantias eleitorais do artigo 236 do Código Eleitoral, as seguintes hipóteses:

1 – Prisão em fragrante delito, artigo 302 e seguintes do Código de Processo Penal;

2 – Conversão do flagrante em preventiva. Neste caso, a doutrina entende ser possível a prisão durante o período eleitoral, pois a preventiva decorre do flagrante, que é autorizado pelo artigo 236 do CE;[1]

3 – Cumprimento de Mandado de prisão em decorrência de sentença penal condenatória por crimes inafiançáveis, ou seja:

3.1 – crime de racismo, Lei nº 7.716, de 1989;

3.2. Crime de tortura, Lei nº 9455, de 1997;

3.3. Crime de tráfico ilícito de drogas, Lei nº 11.343, de 2006;

3.4. Crime de Terrorismo, Lei nº 13.260, de 2016;

3.5. nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

3.4. Crime militar;

3.5. Crimes hediondos, quais sejam:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX);      

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;                

II – roubo:    

a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);   

b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);    

c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);   

III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);   

IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);           

V – estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);       

VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); 

VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).                 

VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998).           

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).             

IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A).    

X – induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (art. 122, caput e § 4º);  

XI – sequestro e cárcere privado cometido contra menor de 18 (dezoito) anos (art. 148, § 1º, inciso IV);  

XII – tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II).

[1] JÚNIOR. Eudes Quintino de Oliveira; SECANHO. Antonelli Antônio Moreira. O devedor de alimentos pode ser preso no período eleitoral? Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/288783/o-devedor-de-alimentos-pode-ser-preso-no-periodo-eleitoral. Acesso em 30 de outubro de 2024, às 00h17min.

Já os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição. Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e promoverá a responsabilidade do coator.

A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos. Quem violar as normas atinentes à prisão no período eleitoral pratica crime previsto no artigo 298 do Código Eleitoral, consistente em prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no art. 236, sujeito a reclusão de até quatro anos.

Aqui temos uma classificação doutrinária criminal, eminentemente de singular na sua forma estrutural. Assim, tem-se a presença do chamado crime remetido, uma vez que tipo penal do artigo 298 remete a conduta ilícita ao artigo 236 que define justamente as garantias eleitorais.

Por sua vez, o artigo 298 não define o mínimo de pena que deverá ser aplicada ao transgressor da norma. Esse tipo penal anômalo ocorre por exceção somente no Código Eleitoral e no Código Penal Militar. O Código Eleitoral, em seu artigo 284, prevê que sempre que o Código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão. Percebe-se que no caso do crime previsto no artigo 298, por violação às garantias eleitorais, a pena mínima será de 01 ano de reclusão. 

Durante o período das campanhas eleitorais, o povo brasileiro assistiu, atônito, a cenas de violência, registro de crimes de homicídios, tentativas de homicídio, violência política contra a mulher, linchamento da honra, fuzilamento de imagens e intimidades, acusações falsas, e tantas outras violações. A cadeira virou símbolo de violência e de gozações. Assim, com base no Art. 5º, inciso IV da CF/88 c/c art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica – Decreto nº 678/92, pode afirmar que as cadeiradas mancharam as eleições em todo o país, cenas de agressões políticas à cadeiradas correram mundo afora.

Comportamentos que aviltam a boa prática da política pátria; conduta que destrói o sentimento de pudor; imundície que se avoluma, veloz e epidemicamente; animus vulnerandi ou laedendi, qualquer que seja o estado anímico, nada justifica a violência e as diatribes nojentas que assistimos por aí. Tudo isso segrega os bons profissionais, desestimula homens bons a ingressarem nesse jogo da farra austera e odiosa; um fisiologismo cruel, massacrante, altamente censurável e avassalador. Algo ignóbil; repugnante; deplorador; destruidor de essência. Antes se discutia o baixo nível da política brasileira; eram discussões acirradas sobre sanguessugas do dinheiro do pagador de impostos; os abutres do erário público; as corrupções homiziadas em cuecas e armários falsos; o desvalor do profissional da política, com raríssimas exceções; os crimes praticados reiteradamente; O afastamento dos homens bons desse circo; dessa pocilga fétida, imunda, abjeta; covardes expropriadores do dinheiro do povo; homicidas da esperança do povo.

Hoje, o Brasil oferece ao mundo cenas de terror das armas do ódio; do despreparo; do desequilíbrio e insensatez, do escárnio da maior cidade do Brasil. São Paulo Terra da garoa, do Trem das onze, da Rua Augusta, da Avenida Paulista, do Corínthians do Sócrates, do Palmeiras do Ademir da Guia, do Santos de Pelé, do São Paulo de Oscar. E agora das cadeiradas do ódio em cenas de terrorismo destruidor da moral; um submundo do imprevisível; do verme maldito que destrói a moralidade, a probidade; e de todos os valores comezinhos de um povo que clama por justiça social.

Cenas de vandalismo no espaço do debate; um filme de terror; um monte de abutres famintos disputando o produto em decomposição; a putrefação da ética e da moral; covardes que abusam do sistema de justiça; atores que passeiam metaforicamente, impunes, sob o manto das permissivas leis penais brasileiras, das lesões e das injúrias. Vendedores de sonhos; comerciantes de fumaça. Artistas da bazófia e do engodo. Hoje, as armas brancas utilizadas comumente como amortecedores da região glútea humana são utilizadas como armas brancas de crimes; desvirtuamento do uso de cuecas, cadeiras, cofres, ilhas, helicópteros, guarda-roupas; tudo isso são artigos de desvios e agressões que massacram a esperança do povo brasileiro.

Reflexões finais

Por fim, muito embora a matriz deste ensaio verse sobre as garantias eleitorais do direito de ir e vir, é de bom alvitre ressaltar com toda ênfase que é garantia inexorável do povo ter um governante sério e dedicado com os interesses sociais. Assim, renasce a esperança do surgimento de um bom gestor para administrar os interesses da sociedade, e que Deus possa iluminar os escolhidos nesse processo democrático. Mas nunca se espera que haja o aparecimento mágico de um salvador da Pátria, de um voluntário porta-voz da razão, de alguém que possa tirar este país deste lamaçal profundo; lamentavelmente, a regra é aparecer profissionais com discursos vazios, com as roupas de Santo, mais com pensamento num projeto de poder, carregando consigo, a tiracolo, um monte de gente que pensa em vender seus produtos, projetar sua empresa, arrumar um cargo, uma boquinha, políticos que pensam em melhorar seu reduto, sua imagem, enfim, de qualquer forma tirar proveito direto ou indireto, com grave lesão à boa governança e a gestão pública; por conta disso, a tendência é o recrudescimento das relações sociais em razão de um conflito beligerante instalado na defesa de pensadores extremistas, de falsos estadistas; uma polarização patológica, inimputável, agressiva e burra na defesa de arremedos de artistas da política, vendedores de sonhos, charlatões e curandeiros das promessas de cicatrização das mazelas sociais, a grande maioria na busca incessante por holofotes nas mídias sociais, com metralhadoras nas mãos, de posse de artefatos explosivos prontos para destilar ódios e mentiras; mas se esquecem que sua piscina está cheia e transbordando insetos, cujas ideias não correspondem aos fatos, um museu sem grandes novidades; muito embora difícil, numa missão espinhosa, assaz desanimadora, não custa nada renovar a pequena esperança que se tem ainda nos bons e raros políticos, infelizmente, em fase de extinção, fazendo renascer a chama da esperança, da ética, do compromisso comunitário e do zelo com o erário público. É preciso acreditar com esforço audaz na política como meio transformador do meio social, para desfazer a ideia do imaginário popular, o adágio segundo o qual, na política só se mudam a roupa e os adereços, o corpo insensível, cruel e interesseiro continua sendo o mesmo. Ou tudo não passa de farinha do mesmo saco. Mas vamos reforçar nossas esperanças em dias melhores, no aparecimento de bons gestores, profissionais que conheçam da técnica administrativa, que tenham compromisso inarredável com os interesses da sociedade. Vamos acreditar nas pessoas, na transparência dos atos públicos e no sistema de controle externo da Administração Pública para criar expectativas de dias melhores; deste modo, reforça-se o estado democrático de direito e reafirma-se o valor do princípio da proibição do retrocesso social, na clara linha retilínea do pensamento singular de Theodore Roosevelt, ex-presidente americano, segundo o qual, “um voto é como um rifle: sua utilidade depende do caráter de quem usa. ”

Referências:

BOTELHO. Jeferson. A Excepcionalidade da Prisão nas Eleições. Disponível em A EXCEPCIONALIDADE DA PRISÃO NAS ELEIÇÕES – Jus.com.br | Jus Navigandi. Acesso em 29 de setembro de 2024.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em Constituição (planalto.gov.br). Acesso em 29 de setembro de 2024.

BRASIL. Código Eleitoral. Disponível em L4737compilado (planalto.gov.br). Acesso em 29 de setembro de 2024.

BRASIL. Pacto de São José da Costa Rica. Disponível em L4737compilado (planalto.gov.br). Acesso em 29 de setembro de 2024.

JÚNIOR. Eudes Quintino de Oliveira; SECANHO. Antonelli Antônio Moreira. O devedor de alimentos pode ser preso no período eleitoral? Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/288783/o-devedor-de-alimentos-pode-ser-preso-no-periodo-eleitoral. Acesso em 30 de outubro de 2024, às 00h17min.

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