Pois é, cronista sem assunto torna-se igual a tecelão sem fio, alfaiate sem tecido, telelágrimas das oito sem vilão, tudo vira uma chatice só, piramidal. E por falar em chato, o escritor Gilberto Amado costumava dizer, a respeito de chatice, que o chato é aquele sujeito que nos rouba a solidão sem nos fazer companhia. Já o genial Millôr Fernandes definiu magistralmente o chato como o indivíduo a quem você pergunta como “vai”? e ele tem a suprema desfaçatez de responder. Creio que todos nós temos um chato embutido na alma, que se manifesta em certas ocasiões.
Entanto, por causa do meu otimismo crônico, inarredável, inamovível, penso que a grande maioria da humanidade, sem tirar nem por, é composta por chatos, digamos assim, provisórios, circunstanciais. Muito principalmente quando se ingere algumas doses de água que passarinho não bebe além da conta. Claro está que existem bêbados especiais, que, quanto mais encachaçados ficam, mais inteligentes se manifestam. Infelizmente, eles constituem uma raríssima exceção à regra, porque o que se tem de aturar de embriagados maçantes pelos botequins da vida não está no gibi.
Por outro lado, está mais do que provada e comprovada a existência daqueles chatos vocacionais, natos, genéticos, cuja inegável chatice parece fazer parte inseparável de sua natureza. Esse tipo clássico de chato não se apercebe nunca da própria chatice, de quanto incômodo provoca em quem chateia, a quem impõe a sua indesejada presença e insiste em não nos dar o prazer de sua ausência. Posso ser cruel, mas cheguei à amarga conclusão de ser humanamente impossível regenerar os chatos de sua dura condição de chatos.
O chato de verdade costuma nos aparecer de surpresa, quando menos os desejamos, sem nos permitir a menor chance de legítima defesa e logo vai impondo, forçando a sua conversa besta, suas diminutas opiniões a respeito de tudo, seus “abalizados” comentários sobre qualquer assunto, suas piadinhas sem graça, tiranizando o até então democrático bate-papo dos presentes. Geralmente decreta o fim do diálogo, alugando os ouvidos alheios para o seu interminável monólogo. O chato é de um oceânico egoísmo verbal, dono do regime da palavra e para quem os outros não passam de um mero par de orelhas.
Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni) e colunista do Jornal Diário Tribuna.