Minha alma constipada…

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Aníbal Gonçalves

Conheço gente lá em Coroaci e aqui em Teófilo Otoni – e, por extensão, em outros quadrantes, que costuma se entulhar de mágoas, rancores, despeitos, invejas e ódios até. Esse tipo sofre, pois tais ingredientes indigestos – sobretudo nesses tempos sombrios dessa pandemia do novo Coronavírus, só provocam mal-estar, sofrimento, doença.

Diz um ditado popular lá pras bandas da fazenda Santa Maria, terra um dia habitada pelo meu saudoso e singular amigo “Duca do Seu Di” (este também já saudoso) que “sentir ódio é como tomar veneno e esperar que o outro morra”. Em outras palavras: é burrice manter consigo esse material tóxico para sensibilizar ou fazer alguém sofrer.

No frigir dos ovos da galinha caipira – à época, muito bem cuidada pela minha segunda mãe “Maria Juquinha” –, quem acaba se prejudicando, geralmente sozinho, é o próprio cavaleiro que sustenta essa rédea.

Assim, tenho aprendido que o inteligente é não aceitar que pessoas, por mais estúpidas que pareçam, me atinjam, a não ser por alguns instantes. Posso ficar sobressaltado, até chocado. Mas passa. No continuar das horas, minha passarinha nem bate. Nada que uma boa noite de sono não repare.

Afinal, os sentidos de que somos dotados têm dupla direção. Servem para absorver, reter, interiorizar. Mas, também, para expelir, evacuar, exteriorizar. Assim, procuro colocar para dentro do corpo e da alma as coisas mais leves, saborosas, substanciosas. Nada – por exemplo, de notícias tóxicas sobre o número de mortes causadas pela Covid-19. Prefiro me ater aos que se recuperaram dessa patologia assassina.

Quando inevitavelmente engulo algo indigesto, procuro expeli-lo tão logo seja possível. Vou lá pra longe de tudo e de todos e faço meus lamentos, desafogo. Não se trata de uma receita e muito menos do bolo já pronto. Nem sequer é uma vara de pescar ou o próprio peixe já anzolado. É, a meu sentir e ver, cada qual no seu canto, com seu pranto e sua capacidade e oportunidade de não reter o que lhe é maligno, que lhe infelicita ou lhe corrói de forma atroz. Que o diga o médico psiquiatra dr. Walcir Costa…

Recomendo a cada um reservar espaços para exorcizar os entulhos espirituais. E se não dispuser de descarga específica, abra a janela e deixe que os ventos carreguem para o além e não para os esgotos humanos que acabam, inadvertidamente, por trazê-los de volta e poluir. Com esse cuidado ninguém será contaminado.

Diante de uma prisão do âmago em que nos percebemos dificultados no ato da excreção dos dejetos da alma, cabe-nos cuidar de nossa alimentação espiritual e praticar exercícios que favoreçam o alívio da pressão. Uma boa leitura, uma música relaxante, uma comédia bem divertida e um desabafo reservado com alguém de confiança são práticas saudáveis para diminuir a constipação da alma. Os terapeutas, os diários, as orações, os amigos – deles, a Luiza [presidente da SeichoNoIe em Teófilo Otoni] e do saudoso Gaspar – são também descargas da alma: depositários privados que podem nos ajudar a despejar aquilo que nos corrói e nos faz sofrer.

Com isso, não há alma constipada…

Sobre o colunista: Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni) e colunista do Jornal Diário Tribuna.

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