VOCÊ CONHECE O ESTUPRO CONDESCENDENTE?

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Jeferson Botelho Pereira
Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante

Não há que se discutir, sequer, a ocorrência de rota de colisão de direitos: de um lado o direito à visita íntima e de outro o direito à dignidade sexual. In casu, trata-se de dever legal do Estado em amparar, tutelar e formar, com dignidade, inclusive sexual, os adolescentes acautelados. Permitir esse tipo de visitas íntimas é ser condescendente com o crime hediondo de estupro, é institucionalizar o motel público financiado com o dinheiro do povo, é dizer aos proprietários de motéis que a placa que eles colocam proibindo a entrada aos menores de 18 anos, em seus estabelecimentos podem ser reavaliadas para afastar eventuais acusações de lenocínio, em face de precedentes legais.

Portanto, vedar a visita íntima ao menor de 18 anos ao internado por ato infracional ou ao visitante é promover sua dignidade e sua humanidade. É promover direitos humanos, é lutar pelos valores morais na construção de uma sociedade melhor para se viver. Autorizar essa violência é um ato absurdo e ilegal, ofensivo e ultrajante seja do próprio legislador ou da Autoridade administrativa do Estado, que recebem dinheiro público qualquer que seja sua investidura no serviço público para representar legitimamente a maioria da sociedade brasileira, e seguramente, essa vontade da maioria não é representada quando o agente público passa a permitir esse tipo de escândalo legalizado na sociedade brasileira. (Prof. Jeferson Botelho).

Notícia que invade os noticiários do Brasil é a questão da permissão das visitas íntimas autorizadas a adolescentes privados de liberdade por prática de ato infracional semelhante a crimes.  O tema reacende uma discussão que desde quando entrou em vigor a partir da Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012 que criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), e por sua vez tratou da execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Em seu artigo 68, instituiu o direito à visita íntima do adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação, in verbis:

Art. 68. É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima.

E agora Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, também repete a forma deste artigo 68, reprodução em seu artigo 41:

Art. 41. Deverá ser garantido o direito à visita íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação sexual ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68, da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012.

Vivemos a era esquizofrênica dos direitos, uma luta pela construção e consolidação dos direitos humanos, pela implementação da igualdade material e desejos incontidos por uma justiça social, bem próximo daquilo que Norberto Bobbio defendia na sua Terceira Tese, segundo a qual os direitos são os principais indicadores históricos da sociedade.

Com isso, e por outros motivos, acarretam as inflações e aberrações normativas, tudo em nome do princípio da proibição do retrocesso social e das aparições pirotécnicas e fantasiosas. A incapacidade do nosso legislador faz brotar para o mundo jurídico coisas inimagináveis, monstruosas, teratológicas, a ponto de criar normas permissivas de violações da dignidade da pessoa humana, especificamente, neste estudo: da violação da dignidade sexual.

É certo que o cidadão, ao ser recolhido ao cárcere, perde tão somente o seu direito de ir e vir, mas conserva, como expressão do direito de personalidade, os demais direitos decorrentes da sua existência. Também é correto afirmar que a execução penal tem por fim colimado efetivar as disposições da sentença ou da decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

A lei nº 7.210/84, que dispõe sobre as normas de execução penal, traz em seus primeiros artigos os direitos do sentenciado e do internado, assegurando que não haverá qualquer distinção de natureza racial, social religiosa ou política, além de afiançar seus direitos atinentes à assistência médica, jurídica, religiosa e outros.

Os direitos em relação aos presos são assegurados, via de regra, pela Constituição Federal, pelos Tratados e Convenções Internacionais e especificamente pelas leis de execução penal, em sede Federal pela Lei nº 7.210/84 e em Minas Gerais, pela Lei nº 11.404, de 25 de janeiro de 1994, que define as normas de execução penal no Estado de Minas Gerais.  

Em relação à execução de medidas socioeducativas, tanto a Lei nº 8.069/90, que define o estatuto da criança e do adolescente, como a recente Lei nº 12.594/2012 tratam desse palpitante e delicado assunto. Os direitos dos condenados e internados são tratados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, em Tratados e Convenções Internacionais e nas Leis de Execução Penal.

É sabido que o adolescente em conflito com a lei não pratica crime. A sua conduta desviante da lei é chamada de ato infracional. Ato infracional é o fato semelhante ao tipo penal previsto no Código Penal e na legislação esparsa. Na melhor forma do artigo 103 da legislação minoril, ato infracional é a conduta descrita como crime ou contravenção penal, praticada por pessoa menor de 18 anos.

O procedimento ético e civilizado para a aplicação da resposta estatal, consubstanciada em medidas socioeducativas é previsto na Lei nº 8.069/90. Quanto às medidas socioeducativas, essas vão desde uma simples advertência até a medida extrema de internação, que se equipara, por analogia, a uma pena privativa de liberdade, com a consequente privação da liberdade do adolescente infrator. Assim, essas medidas estão dispostas no artigo 112 da Lei nº 8.069/90, variando desde a advertência até a internação em estabelecimento educacional. A internação, medida extrema, constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Assim como os imputáveis que cumpram pena privativa de liberdade, aos adolescentes infratores são assegurados os inúmeros direitos durante a execução da medida privativa de liberdade, em conformidade com o artigo 124 da Lei nº 8.069/90.

Outrossim, constitui dever de o Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.

O problema sexual no sistema penitenciário fez com que o legislador pátrio pudesse criar normas de prevenção e combate na tentativa de solucionar os graves desvios de personalidade reinante nas enxovias públicas. Tem-se que a abstinência sexual resulta em graves prejuízos no comportamento dos detentos, provocando consequências nefastas e induzindo a perversão sexual. Em Minas Gerais, a Lei nº 11.404/94, em seu artigo 72, prevê o direito à visita íntima.

Recentemente, a lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012 criou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Em seu artigo 68, instituiu o direito à visita íntima do adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação.

Art. 68. É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima.

Os crimes contra os costumes sofreram grandes modificações com o advento da Lei nº 12.015/2009, que reformulou o Título VI, da Parte Especial do Código Penal.  A nova lei fez importantes modificações, criando novos crimes, modificando outros e extinguindo alguns deles. As alterações começaram pelo nome do Título, que passou a se chamar Crimes contra a dignidade sexual, mesmo porque perceberam a inadequação do vocábulo costumes, cuja concepção pode modificar de acordo com a época. Segundo entendimento, a nosso ver mais acertado, dignidade sexual é imutável.

Com a nova roupagem, o crime de estupro previsto no artigo 213 do Código Penal, passou para a seguinte descrição típica: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Com a novel redação, o delito de estupro passou a conter a conduta de constranger alguém (e não apenas a mulher) à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, atos esses que anteriormente caracterizavam o crime de atentado violento ao pudor.

Em assim sendo, para a configuração do estupro, basta que uma pessoa, podendo ser homem ou mulher, obrigue outra, também homem ou mulher, a com ela praticar qualquer ato libidinoso, podendo ser conjunção carnal, coito anal, felação, beijo lascivo, bolinação, passar as mãos nas nádegas, seios etc.

O novo artigo 213 é aplicável tão-somente nas condutas contra maiores de 14 anos, pois, se a vítima for menor de 14 anos, aplica-se o artigo 217-A que prevê o crime de estupro de vulnerável, cuja pena é mais grave que a do artigo 213 do CPB. O novo comando normativo criou o crime de estupro de vulnerável, contendo as elementares do revogado artigo 224, agora com pena de reclusão de 8 a 15 anos.

A Lei nº 12.594/2012 criou o sistema nacional de execução de medidas socioeducativas. Como se viu, houve a previsão da visita íntima para adolescentes casados ou que comprovem a união estável. É possível a aplicação da chamada internação sanção, por prática de ato infracional, ao adolescente a partir dos 12 anos de idade. Pode acontecer que uma pessoa de 13 já esteja internada em razão do cometimento de ato infracional. Não se podem fechar os olhos para uma realidade absurda, tétrica e frustrante.

As relações sexuais começam bem mais cedo entre os jovens, com sérios riscos para a saúde pública, causando, não raras vezes, desequilíbrio familiar. Nos dias atuais é possível deparar com uma jovem de 13 anos grávida ou na condição de mãe, sem nenhuma estrutura familiar para a sustentabilidade social. Estando um jovem de 13 anos de idade cumprindo medida privativa liberdade num Centro de Internação, não se pode autorizar que se tenham encontros íntimos em apartamentos dessas casas de custódias, sob pena do responsável pelo estabelecimento responder pelo crime de estupro de vulnerável em razão de sua omissão relevante, a teor do artigo 13, § 2º, do Código Penal Brasileiro.

Evidentemente, que aquele que mantenha o ato libidinoso ou a conjunção carnal também responderá por sua conduta. Se for maior de idade, será punido por crime de estupro de vulnerável; se menor de idade, responderá por ato infracional semelhante ao crime de estupro de vulnerável. O certo é que o Brasil vive com uma verdadeira inflação legislativa, uma insofismável epidemia legal. Procura-se por meio do direito positivo efetivar direitos e consagrar garantias, como se um pedação de papel escrito por um parlamento leigo e desinteressado tivesse o superpoder de transformar realidades sociais.

Deveria o legislador pensar e estudar um pouco mais antes de aprovar uma lei. O artigo 68 da Lei nº 12.594/2012 deveria ter sido construído com base no direito de família estatuído no Código Civil, sobretudo observando as regras da capacidade para o casamento que prevê idade núbil aos 16 anos.

Assim, o artigo 1.517 preceitua que o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Concluindo, defende-se o argumento de que as normas deveriam restringir aos menores de 16 anos o direito à visitação íntima no interior de Centros de Internação de Adolescente, coadunando e conformando, desse modo, a nova lei do garantismo romântico com todo o sistema legal. Por outro viés, há quem afirme que o direito à visita íntima não atinge aos presos condenados da Justiça Castrense que cumprem pena em Unidades Militares, mesmo porque a visita íntima constitui-se crime militar tipificado no artigo 235 do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, com o nome de pederastia.

Finalizando esta abordagem, ainda incipiente, de tema tão inquietante, importante ponderar que ao Estado cabe a tutela tanto do preso maior quanto do adolescente infrator. Especialmente em relação a este último, deve o Estado, além de garantir todos os direitos previstos em lei, promover ao adolescente uma formação digna, ainda que com sua liberdade restringida. O que se questiona é se uma visita íntima a um adolescente internado proporcionaria a ele formação digna ou poderia, contrariamente, ocasionar a prática do crime de estupro presumido previsto no artigo 217 A do CPB. Impossível ao Estado, enquanto garantidor e promotor dos direitos humanos, propiciar situações que induzam a prática criminal, especialmente em se tratando de adolescente acautelado.

Não há que se discutir, sequer, a ocorrência de rota de colisão de direitos: de um lado o direito à visita íntima e de outro o direito à dignidade sexual. In casu, trata-se de dever legal do Estado em amparar, tutelar e formar, com dignidade, inclusive sexual, os adolescentes acautelados. Permitir esse tipo de visitas íntimas é ser condescendente com o crime hediondo de estupro, é institucionalizar o motel público financiado com o dinheiro do povo, é dizer aos proprietários de motéis que a placa que eles colocam proibindo a entrada aos menores de 18 anos, em seus estabelecimentos podem ser reavaliadas para afastar eventuais acusações de lenocínio, em face de precedentes legais.

Portanto, vedar a visita íntima ao menor de 18 anos ao internado por ato infracional ou ao visitante é promover sua dignidade e sua humanidade. É promover direitos humanos, é lutar pelos valores morais na construção de uma sociedade melhor para se viver. Autorizar essa violência é um ato absurdo e ilegal, ofensivo e ultrajante seja do próprio legislador ou da Autoridade administrativa do Estado, que recebem dinheiro público qualquer que seja sua investidura no serviço público para representar legitimamente a maioria da sociedade brasileira, e seguramente, essa vontade da maioria não é representada quando o agente público passa a permitir esse tipo de escândalo legalizado na sociedade brasileira.

Referências bibliográficas.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.p.169.v.1.

GÊNOVA, Jairo José. Novo crime de estupro. Breves anotações. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2240, 19 ago. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13357>. Acesso em: 17 mar. 2012.

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