Sobre a criação de filhos…

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Aníbal Gonçalves – Pedagogo

Leio, entre espantado e estarrecido, uma notícia nos jornais do dia que me deixou de cabelo em pé, descoroçoado. O fato é que está se tornando cada vez mais uma atitude bastante frequente em nossos dias os pais espionarem, fuçarem a vida de seus próprios desdobramentos celulares, com o objetivo de descobrirem se os filhos e as filhas andam se comportando normalmente como manda o tradicional figurino, seguindo as normas, padrões e regras estabelecidos. Ou se estão usando drogas, de que tipos de amigos se cercam, com quem namoram, que lugares frequentam em suas baladas e roteiros. Em suma, os cuidadosos genitores querem ter nas mãos o controle total sobre os seus rebentos e a privacidade deles que se dane. Afinal, o preço da segurança é a eterna vigilância.

Pois é, vejam a que ponto chegamos nesse despautério geral. Já não se fazem nem mais existem pais e filhos como antigamente. O mundo muda feito a moda. E os costumes também. Não sei se para melhor ou para pior, mas muda. É incontestável. Assim como os chamados laços de família. As relações entre pais e filhos assumiram um caráter burocrático, formal, despido das nuances da intimidade, no qual manda, reina quem pode e obedece quem tem juízo. O diabo é que nem os papais têm mais tanto poder o quanto pensam, nem os bruguelos obedecem tanto quanto deles se esperava.

Os pais, assoberbados pelos inúmeros compromissos do trabalho, foram pouco a pouco apelando para a saída mais fácil, terceirizando o poder pátrio, delegando-o aos professores, aos técnicos dos esportes que os filhos praticam. E, finalmente, no frigir dos ovos, quando a barra pesa de verdade, aos cuidados dos psicólogos e dos psiquiatras. Os pais parecem estar perdidos no mato sem cachorro, distanciados anos-luz de suas funções primordiais que são as de ensinar, reprimir, impor limites, dar amor e segurança.

Sou de uma geração em que o pai – em meu caso específico, José Ramos Gonçalves “Gonçalinho” – era o chefe do clã familiar, exercendo o poder de que se conferia. Sua palavra era o sinônimo de lei incontestável, que devia ser rigorosamente obedecida, cumprida sem qualquer discussão, sob pena de entrar na correia e dar literalmente a mão à implacável palmatória. E o único diálogo possível, permitido se resumia à servil frase pronunciada, de cabeça baixa, pelo filho e servo: – Sim, senhor! Era proibido permitir, com o sim riscado do nosso vocabulário cotidiano.

Em Coroaci, minha terra natal, era proibido jogar sinuca no bar do “Seu” Dirceu “Paca”, onde o soldado Machadinho, com uma vara de pau Mulatinho, nos espantava daquele local. Era proibido frequentar a zona boêmia na “Vila do Reino”. Era proibido escutar ou se intrometer na conversa dos adultos durante visita, por exemplo, ao saudoso vizinho “Duca do ‘Seu’ Di”. E era proibido pegar biscoitos de goma na gamela em casas de vizinhos sem a devida anuência paterna.

Até completar os meus dezoito anos e adentrar os portões da universidade, tinha eu hora marcada para tudo. Pra voltar pra casa quando saía de dia e de noite. E, se porventura me atrasasse por algum motivo alheio à minha vontade, de nada adiantava fornecer explicações, por exemplo, [para a minha saudosa tia Sinhaninha] as mais lógicas e razoáveis. Os paternos ditames eram inflexíveis. Deviam ser cumpridos à risca, debaixo de pau e pedra. Evidente que não se pode criar os filhos desse modo, privados parcial ou totalmente de liberdade. Mas também não se deve criá-los sem imporlhes nenhum limite, nenhum controle, liberando-os da responsabilidade devida por seus atos.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, reza a sóbria parêmia do princípio do equilíbrio. A relação entre pais e filhos, para ser boa e eficientemente educativa, há de ser construída com carinho e cara zangada, com admoestações e elogios, com respeito mútuo, com dureza e suavidade, com uma intimidade tal que permita confissões e confiança, que assegure aos filhos a proteção suficiente, capaz de se tornarem adultos maduros para o convívio social.

Aníbal Gonçalves é pedagogo, graduado em Administração Escolar, ex-diretor da Escola Estadual de Coroaci – MG [hoje Dona Sinhaninha Gonçalves] e professor de Filosofia, Sociologia e História da Educação. Foi chefe do Departamento de Educação Cooperativista da CLTO. Atualmente, jornalista e radialista da 98 FM (Teófilo Otoni) e colunista do Jornal Diário Tribuna.

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