Teologia e Direitos Humanos

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Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito Penal e Processo
Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e
combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca –
Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade
Unida de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante.

Teologia e Direitos Humanos

Humanismo Petrarquiano e Direitos Humanos Contemporâneos na Tutela do Exercício da Liberdade Religiosa

Theology and Human Rights

Petrarquian Humanism and Umanism and Contemporary Human Rights in the Protection  of the Exercise of Religious Freedom

A liberdade religiosa é um direito humano fundamental, sendo parte do direito à liberdade de expressão, consciência e opinião. A liberdade religiosa não dá direito de se sobrepor sobre as demais religiões como se a própria escolha individual fosse a única verdade religiosa possível e que a escolha das demais pessoas fosse menos importante ou não passível de ser respeitada. A partir do princípio do livre arbítrio, pressupõe-se que não se discrimine ou desconsidere as pessoas pela sua escolha religiosa e que se garanta o respeito pela liberdade religiosa, inclusive a liberdade de não aderir à crença alguma ou mesmo de professar o ateísmo ou o agnosticismo (Silene Mattos)

RESUMO: O presente ensaio tem por escopo precípuo analisar sem caráter exauriente o desenvolvimento evolutivo dos Direitos Humanos, desde o movimento do humanismo no século XIV com o italiano Francesco Petrarca, na transição da Idade Média ao Renascimento até a hipermodernidade num contexto comparativo com a teologia, e transdisciplinariedade com as Ciências Jurídicas, com abordagem nos princípios basilares dos direitos humanos contemporâneos, dos Tratados e Convenções de Direitos Humanos, a evolução histórica das dimensões ou gerações do direito, além da proteção dos locais de realização de culto. Visa ainda estudar a inter-relação da Teologia e liberdade religiosa como apanágio dos direitos humanos.

Palavras-Chave: Teologia. Direitos Humanos. Evolução. Tutela.

Summary: This essay is intended to analyze without an exhausting character the evolutionary development of Human Rights, from the movement of humanism in the fourteenth century with the Italian Francesco Petrarca, in the transition from the Middle Ages to the Renaissance to the hypermodernity in a comparative context with theology, and transdisciplinaryity with the Legal Sciences, with an approach to the basic principles of contemporary human rights, human rights treaties and conventions, the historical evolution of dimensions or generations of law, in addition to the protection of places of worship. It also aims to study the interrelationship of theology and religious freedom as a panágio of human rights.

Keywords: Theology. Human rights. Evolution. Tutelage.

INTRODUÇÃO

A vida é muito mais rica e impressionante que a simples previsibilidade normativa, e nesse compasso afirma-se sem receios de incidência ou laboração em erros que os acontecimentos históricos são registrados diariamente, constrói-se um novo mundo em cada despertar, num pistar de olhos, numa velocidade de pensamento, a cada momento da vida, sempre haverá a construção de um novo capítulo da história.

E assim, chegamos a um estágio tão importante, crucial, a ponto de afirmar que o homem, epicentro dos acontecimentos, participa decisivamente na formatação de um novo cenário de mundo.

Desta forma, constrói-se uma nova escala de valores, sendo o humanismo responsável para a edificação do conceito de homem, visto pelo pai do humanismo, Francesco Petrarca, no Século XIV, na Itália, como sendo o homem considerado o centro das atenções, pelo que se exigem respeito, zelo e um olhar diferenciado por sua condição humana.

Assim, importante reconhecer o movimento humanista que inaugura uma transição entre a idade média e o renascimento, a ênfase do antrocentrismo que com a valorização do homem como o centro do universo, o foco nas emoções do ser humano, o afastamento dos dogmas, com a consequente separação da religião, a valorização de debates e opiniões divergentes, a valorização do racionalismo e o método científico.

Nesse sentido, o texto denominado Humanismo Petrarquiano e Direitos Humanos contemporâneos na tutela do exercício da liberdade religiosa ganha relevo justamente por conta da relação intrínseca da teologia com a promoção dos direitos humanos.

Sabe-se que existem no plano internacional inúmeros Tratados e Convenções Internacionais, e neste diapasão, serão analisados três importantes documentos mundiais, quais sejam, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto de São José da Costa Rica, todos com firme imposição de garantia da liberdade religiosa e proteção dos locais de culto.

No capítulo 2, uma abordagem das características principais e princípios reitores dos Direitos Humanos, sendo a religião rotulada como direitos indivisíveis, universais e inalienáveis.

Em razão do progresso da humanidade, vivenciado pelo veloz desenvolvimento dos meios de transportes, indústrias, tecnologias, tudo com recheios de pluralismo de ideias, cultura e valores, o estudioso das Ciências Jurídicas tem propensão em dividir os direitos em gerações ou dimensões conforme o momento, tempo e espaço de sua construção.

E desta forma, a doutrina apresenta importante evolução das gerações dos direitos fundamentais, de primeira a sexta gerações conforme será visto, inclusive, colocando a liberdade religiosa numa categoria de gerações ou dimensões.

JOSÉ AFONSO DA SILVA ensina com autoridade que direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada, conceituando sob a inspiração de Pérez Luño como sendo: “princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas”[1].

Importante tema será o estudo do ensino religioso, em face do conhecimento das religiões constituir-se um instrumento de controle social, além do seu colorido de direito fundamental no campo jurídico.

E no último capítulo deste ensaio, enfrentar-se-ão, teologia e direitos humanos numa concepção de proteção da liberdade religiosa quando do exercício do culto religioso.

Não é possível assegurar liberdade religiosa sem a intransigente proteção dos locais de culto. E aqui, um tema relevante recai sobre acusações infundadas de imputação de contravenção penal tipificada no artigo 42 da Lei das Contravenções Penais, Decreto nº 3688/41, quando são lançadas imputações de perturbação de sossego a alguns religiosos, no exercício de sua pregação e libre exercício da atividade religiosa, em rota de colisão entre liberdade religiosa e direito a paz pública.

[1] SILVA, José Afonso, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, Malheiros Editores, 18ª. Edição, 2000.

1. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS E RELIGIÃO.

Neste tópico, torna-se imperioso mencionar, não de forma exaustiva e exauriente, as normas existentes no arcabouço jurídico, acerca da previsão da religião na estrutura da matriz jurídica brasileira. Para fins didáticos, é de bom alvitre mencionar os comandos normativos de ordem internacionais, os quais o Brasil se obrigou a cumprir de forma imperativa.

Silva Júnior (2019, p. 59-60) ressalta-se que dois textos internacionais fazem alusão ao contexto religioso mais que não ingressam no ordenamento jurídico pátrio por questões lógicas, a Declaração de Independência da Virgínia e a Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Dois importantes escritos que abordam a dimensão religiosa e que não tiveram sequer a participação do Brasil são a Declaração de Direitos do bom povo de Virgínia (1776) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950). O primeiro texto foi uma norma dos Estados Unidos, produzida antes da proclamação da independência, que resgata o ideal cristão dos descobridores das américas. Trata-se de uma regra histórica, no século XVIII, que havia a liberdade religiosa a partir da consciência de cada indivíduo, proibindo o uso de meios que obrigassem qualquer pessoa à mudança ou permanência em determinada convicção. Em termos liberais, que a religião ou os deveres que tempos para com o nosso Criador, e a maneira de cumpri-los, somente podem reger-se pela razão e pela convicção, não pela força ou pela violência; consequentemente, todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, de acordo com o que dita sua consciência, e que é dever recíproco de todos praticar a paciência, o amor e a caridade cristã para com o próximo. Já a Convenção Europeia, bem mais recente, caminha na mesma direção: Artigo 9º. Liberdade de pensamento, de consciência e de religião 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos. 2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem[2].

1.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos e Religião

A humanidade passava pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e concretamente precisava se reinventar na construção da Paz.

Desta feita, iniciam-se os estudos dos Tratados e Convenções a partir da Declaração Universal dos Direitos Humano, de 1948.

Dos fatos importantes informam a elaboração de uma Carta de Direitos Humanos, considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo e considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem.

Praticamente, o texto anuncia em seu artigo 1º a raiz de todos os diretos, assegurando que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos e, dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

No campo religioso, a Declaração Universal dos Diretos Humanos assegura no seu bojo a liberdade religiosa, notadamente, no artigo 18 dispondo que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

[2] SILVA JÚNIOR, Antônio Carlos da Rosa. Manual Prático de Direito Religioso. Um guia completo para juristas, pastores, líderes e membros. P. 59-60. São Paulo. 2019, Fonte editorial.

1.2. Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Religião

Nessa mesma perspectiva, coincidentemente, o artigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, do qual o Brasil é signatário por meio do decreto nº 592/92, que toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. Nesse mesmo diapasão o referido Pacto assevera que ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. 

A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas. No final deste documento existe norma cogente dando conta que os Estados Partes do presente Pacto se comprometem a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.

1.3. Pacto de São José da Costa Rica e Religião

Documento importante para o Brasil em sua relação com a ordem internacional, é o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678/92, mormente, em seu artigo 12, I, II e III.

Os dispositivos em epígrafe anunciam que com força de Emenda Constitucional, porque tratam de normas de direitos humanos, que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião.  Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 

Por sua vez, assegura que ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças e ainda prevê que a liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral, públicas ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.

2. PRINCÍPIOS BASILARES DOS DIREITOS HUMANOS CONTEMPORÂNEOS

A doutrina costuma abordar as características e princípios dos direitos humanos. Sobre as características, não obstante as diversas, são elencados a inerência, a universalidade, a sua indivisibilidade e interdependência e a transnacionalidade.

Assim, os direitos humanos, os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas, são inalienáveis, porque ninguém pode ser privado de seus direitos humanos, podendo até serem limitados em situações específicas. Destarte, o direito à liberdade ou locomoção pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal.

No magistério de Weis (1999), a noção de que os direitos humanos são inerentes a cada pessoa, pelo simples fato de existir, decorrente do fundamento jusnaturalista racional adotado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos[1].

Por fim, os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. E assim, a prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros.

3.1. Princípio da inviolabilidade da pessoa

O princípio da inviolabilidade da pessoa envolve uma gama de direitos assegurados, a partir do direito à vida.

Como corolário do direto à vida, tem-se o direito à integridade física, às liberdades de pensamento, expressão, locomoção, meio ambiente sustentável, e todos aqueles direitos que consideram o homem como centro da proteção jurídica.

3.2. Princípio da autonomia da pessoa

Se os homens nascem livres e iguais, importante que haja respeito às suas decisões e condições de vida, que seja protegido o seu livre arbítrio e autonomia de vontade em seu processo de escolhas, liberdades nas suas deliberações pessoais e autonomia para seguir o seu caminho eleito.

3.3. Princípio da dignidade humana

A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, inciso, CF/88.

A dignidade humana é o centro dos direitos humanos, tendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 1º previsto que:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade[4]

[3] WEIS, Carlos. Direitos Humanos Contemporâneos. Malheiros Editores LTDA, p. 109. 1999

[4] Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948.

3. AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A RELIGIÃO

Os direitos fundamentais ou direitos humanos, esta terminologia utilizada numa concepção internacional. De acordo com a visão temporal, os direitos fundamentais podem ser classificados em dimensões ou gerações. Preferem chamá-los de dimensões os professores Robert Alexy e Konrad Hesse (ALEXY, 2010)[5]. Em contrapartida os ilustres juristas Paulo Bonavides e Norberto Bobbio os analisam sob a forma de gerações.  

INGO WOLFGANG SARLET, em Conceito de direitos e garantias fundamentais, ensina que Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, para além de um acordo semântico em torno de determinada terminologia, que busca respeitar também a opção (e tradição) tomada pela comunidade internacional organizada e estruturada em torno de um conjunto de organizações e um complexo de regras e princípios jurídicos em matéria de direitos atribuídos às pessoas humanas, bem como a opção terminológica e conceitual de boa parte das ordens constitucionais,  são, portanto, figuras distintas por diversas razões, mas ao mesmo tempo e em muitos casos objeto de significativa mas sempre parcial convergência material e formal, porquanto reportadas a esferas distintas (embora entrelaçadas) de positivação[6]

Há quem atribui a autoria do termo gerações de direito a Norberto Bobbio, outros, entretanto, afirmam que o termo gerações de direito foi empregado pela primeira em 1979 vez por Karel VASAK, jurista tcheco-francês, numa Conferência sobre Direitos Humanos em Estrasburgo, com o fito de estabelecer a evolução dos direitos humanos, com ideia no lema da revolução francesa, liberdade, igualdade e fraternidade.

O estudo dos direitos fundamentais passa por projeções multidimensionais, sendo essa uma característica do modelo epistemológico mais adequado, segundo propõe Robert Alexy.

3.1. Primeira Dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de 1ª geração que dominaram durante o Século XIX, ligados a liberdade pública do indivíduo, com previsão de direitos civis e políticos, como proteção perante o Estado opressor.

Weis (1999, p. 38) discorrendo sobre a classificação das gerações dos Direitos Humanos, ensina que:

Compreendendo os precedentes da Antiguidade e da Idade Média como antecedentes dos direitos humanos, os diversos autores que se reportam a tal classificação entendem que a primeira geração dos direitos humanos surgiu com as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, fruto do Liberalismo e de sua formulação pelo Iluminismo de base racional que dominou o pensamento ocidental entre os séculos XVI e XIX[7].

São os direitos de resistência que o cidadão possui face ao Estado boçal, funcionando como um status negativus na classificação de Jellinek.

[5] ALEXY, Robert. Direito, Razão, Discurso. Estudos para a filosofia do direito. Livraria do Advogado editora. 2010.Porto Alegre/RS.

[6] SARLET Ingo Wolfgang. Conceito de direitos e garantias fundamentais. Tomo Direito Administrativo e Constitucional. Edição 1, abril de 2017. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/67/edicao-1/conceito-de-direitos-e-garantias-fundamentais. Acesso em 26 de janeiro de 2020, às 11h37min.

[7] WEIS ( 1999, p, 38

3.2. Segunda Dimensão dos direitos fundamentais

A 2ª geração ou dimensão de direitos liga-se à Revolução Industrial onde se fez necessária a proteção massiva da classe trabalhadora, com a implementação de direitos sociais.

Acrescenta Weis (1999, p. 38-39) esta geração surge em decorrência da deplorável situação da população pobre das cidades industrializadas da Europa Ocidental, constituída sobretudo por trabalhadores expulsos do campo e/ou atraídos por ofertas de trabalho nos grandes centros. Como resposta ao tratamento oferecido pelo capitalismo industrial de então, e diante da inércia própria do Estado Liberal, a partir de meados do século XIX floresceram diversas doutrinas de cunho social defendendo a intervenção estatal como forma de reparar a iniquidade vigente[8].

No Brasil, a Carta de 1934 foi a primeira a prevê em seu texto um rol de direitos sociais, sendo que a atual Constituição da República de 1988, ostenta um rol de direitos sociais, artigo 6º, in verbis:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

3.3. Terceira Dimensão dos direitos fundamentais

Ensina com maestria Eliana Calmon, que:

Chegamos, então, aos DIREITOS DE TERCEIRA GERAÇÃO, com o aparecimento dos entes quase públicos, representados por segmentos não governamentais da sociedade civil organizada, as ONG’s, incumbidas de lutar por interesses coletivos e difusos, direitos estes que dificilmente poderiam merecer a tutela estatal, por ausência de representação política adequada, e em face da excessiva exposição daquele indivíduo que decidia enfrentar o Estado[9].

Os direitos de 3ª geração dizem respeito ao fortalecimento do humanismo e do sentimento universal de amor ao próximo, com recheio de fraternidade e solidariedade, como direito ao consumidor, meio ambiente e saúde pública. São os bens jurídicos difusos, metaindividuais, hoje chamados de bens jurídicos espiritualizados

3.4. Quarta Dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de 4ª dimensão são lançados pelo excelso professor Paulo Bonavides, entendendo que a “globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”.

Ensina o citado jurista que os direitos da 4ª geração consistem no direito à informação, direito à democracia e o direito ao pluralismo.

[8] WEIS ( 1999, p. 38-39)

[9] CALMON, Eliana. Ministra do Superior Tribunal de Justiça.

3.5. Quinta Dimensão dos direitos fundamentais

Fala-se também em direitos de 5ª geração, ligados a construção da cultura da paz. Uma sociedade formada por laços fraternos e comportamentos altruístas. A ONU definiu o conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida associados à cultura de paz na Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, divulgada em 13 de setembro de 1999. Diversas instituições em todo o mundo aderiram a esta declaração e se empenham na concretização destes ideais. E logo em seu art. 1º, é anunciada que a Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados no respeito à vida.

4.6. Sexta Dimensão dos direitos fundamentais

Os direitos de 6ª dimensão estão relacionados a bioética, um ramo novo de estudo e muito comentado no meio jurídico nos dias atuais, envolvendo estudos transdisciplinares, como biodireito, medicina, filosofia, bioética. 

5. A PROTEÇÃO DOS LOCAIS DO CULTO RELIGIOSO

A plenitude da liberdade religiosa somente é alcançada se houver proteção aos locais de realização dos cultos religiosos e de suas liturgias.  Discorrendo acerca da liberdade de culto, José Afonso da Silva (2002, p. 248) assevera que a religião não é apenas sentimento sagrado puro.

Liberdade de culto: a religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indica pela religião escolhida[10].

A liberdade e proteção dos locais de culto são assegurados, cogentemente, na Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, inciso VI, in verbis:

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias[11]

Silva Júnior ensina com propriedade que a liberdade de consciência e de crença e a proteção dos locais de cultos religiosos mereceram proteção constitucional, elevada à categoria de cláusula pétrea.

Com isso significa que as liberdades de consciência (gênero) e de crença (espécie), cuja manifestação pode se dar através de cultos religiosos, possuem aplicação direta e imediata, só podendo ser minimizadas a partir da conjugação de outros textos da Constituição. Demais normas não deveriam interferir de tal modo a perturbar a fruição desses direitos. Quanto à proteção dos locais de culto e das liturgias, à lei caberia, no máximo, restringir essa eficácia plena desde que não impedisse a defesa dos direitos. Como se trata de uma cláusula pétrea, de um direito fundamental, a obrigação da lei é estender que a garantia ao maior nível de exercício[12].

[10] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editores LTDA. 2002.

[11] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 06 de fevereiro de 2020, às 07h08min.

[12] SILVA JÚNIOR (2019, P. 74-75)

5.1. Dos tipos penais

A depender do tipo de embaraçamento do culto religioso, o Código Penal estabelece inúmeras condutas criminosas a que estão sujeitos aqueles que impedem ou perturbem de forma a realização do culto religioso.

Inúmeras condutas são praticadas por questões de intolerância religiosa, que vem crescendo no país, o que motivou o Congresso Nacional a aprovar a Lei nº 11.635, de 2007, instituindo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, como sendo o Dia 21 de janeiro.

Importante frisar que a Lei nº 7.716/89, criou no Brasil o crime de racismo, punindo com pena de reclusão as condutas resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

5.2. Do crime de Injúria

A Constituição da República de 1988, em seu arrigo 5º, inciso X, dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O art. 140 define o crime de injúria, que é a ação de ofender a dignidade ou o decoro de alguém, por meio de uma manifestação de desprezo ou de desrespeito capaz de ofender a honra subjetiva da pessoa.

Exemplos típicos desse tipo de conduta criminosa, é o comportamento de pessoas que passam de frente aos locais de cultos religiosos que xingamento, agressões verbais e zombarias.

O § 3º do artigo 140, prevê a injúria qualificada ou racial, quando a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, com pena de reclusão de um a três anos e multa.        

5.3. Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo

 A conduta prevista no art. 208 do CP, consiste em escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso, com pena de detenção, de um mês a um ano, ou multa. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

5.4. Do crime de dano

O crime de dano consiste em destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com pena de detenção, de um a seis meses, ou multa. O tipo penal é considerado misto alternativo, formado por três verbos comissivos, sendo essencialmente doloso.

Assim, por exemplo, aquele que venha a jogar uma pedra no local em que se realiza algum culto religioso responde pelo crime de dano. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como claramente se percebe, este trabalho teve por objetivo precípuo apresentar algumas reflexões sobre Teologia e os Direitos humanos, numa perspectiva de proteção da liberdade religiosa e tutela dos locais de culto religioso.

O movimento humanista nasceu no mundo com o italiano Francesco Petrarca, no Século XIV, transição da Idade Média e Renascimento, com a valorização do homem pelo homem, chamado de antropocentrismo, estabelecendo que o homem está no centro de tudo, tendo Petrarca argumentando que Deus contemplou aos seres humanos seu imenso e potencial intelectual e criativo para serem usados ​​ao máximo. FRANCESCO PETRARCA inspirou a filosofia humanista, que levou ao florescimento intelectual do Renascimento. Dotado de elevado valor moral, humanismo exacerbado e prático do estudo da história e da literatura antigas. Petrarca era um católico devoto e não via conflito entre perceber o potencial da humanidade e ter fé religiosa[13].

Na perspectiva da salvaguarda dos direitos humanos, em sua dimensão universal, todo cidadão tem a liberdade religiosa em seu contexto de professar a religião que bem quiser, deixar de professar ou até mesmo mudar de religião, as Convenções e Trabalhos Internacionais de Direitos Humanos, notadamente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração do bom povo de Virgínia, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, o Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 e o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, todos garantem o exercício da liberdade religiosa e proteção dos locais de cultos religiosos.

Na esteira das dimensões dos direitos, pode-se afirmar que a liberdade religiosa se encontra na agasalhada na perspectiva de 1ª geração, vinculada ao exercício dos direitos civis e políticos.

Especificamente, sobre a proteção dos locais de realização de cultos religiosos, o ordenamento jurídico elevou à categoria de proteção penal, qualquer ofensa ao sentimento religioso, consoante Título V, do CP, dos crimes contra o sentimento religioso, máxime, o artigo 208 que rotula a conduta criminosa de ultraje a culto e impedimento ou perturbação e impedimento a ele relativo, consistente em escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso, com pena detenção, de um mês a um ano, ou multa.

O excelso Processor ROGÉRIO GRECO, leciona com autoridade que:

o verbo escarnecer é utilizado pelo texto legal no sentido de zombar, troçar, ridicularizar, humilhar etc. O agente, portanto, publicamente, pratica qualquer comportamento no sentido de fazer com que a vítima seja escarnecida. Como se percebe pela redação do tipo penal, para que ocorra o delito em estudo, tal escarnecimento deve ser levado a efeito em público. Isso significa que se o agente escarnece da vítima em lugar reservado, onde se encontravam somente os dois (vítima e agente), o fato poderá se configurar em outro delito, a exemplo do crime de injúria[14].

Nas leis esparsas, tem-se também a conduta de racismo, Lei nº 7.716, de 89, que pune severamente qualquer preconceito a liberdade religiosa, que reduz o indivíduo à segregação a determinadas categorias sociais, impondo pena de reclusão aos transgressores da norma de boa convivência.

Assim, afirma-se que o homem ganha rótulo de racionalidade como centro das atenções na resolução das questões sociais, e por isso, tem no seu cerne a garantia de todas as franquias públicas, dentre elas o pleno exercício da liberdade religiosa e efetiva proteção dos locais de culto religioso.

[13] https://aulazen.com/historia/humanismo-o-que-foi-pensamento-humanista-de-petrarca/. Acesso em 06 de fevereiro de 2020.

[14] GRECO, Rogério. Curso de Direto Penal. Parte Especial. 14ª edição. Revista, Atualizada, ampliada e atualizada até 1º de janeiro de 2017. 2º Volume.  Editora ìmpetus. Niterói, RJ: 2017.

DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Direito, Razão, Discurso. Estudos para a filosofia do direito. Livraria do Advogado editora. 2010.Porto Alegre/RS.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 06 de fevereiro de 2020, às 07h08min.

GRECO, Rogério. Curso de Direto Penal. Parte Especial. 14ª edição. Revista, Atualizada, ampliada e atualizada até 1º de janeiro de 2017. 2º Volume.  Editora ìmpetus. Niterói, RJ: 2017

SARLET Ingo Wolfgang. Conceito de direitos e garantias fundamentais. Tomo Direito Administrativo e Constitucional. Edição 1, abril de 2017. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/67/edicao-1/conceito-de-direitos-e-garantias-fundamentais. Acesso em 26 de janeiro de 2020, às 11h37min.

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