Águas Formosas dinamiza proteção à mulher

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Atuação em rede, impulsionada pelo Judiciário, aumentou atendimento

O Judiciário liderou a formação e articulação da rede de enfrentamento
em Águas Formosas (Crédito: Reprodução Google Street View)

Águas Formosas, na região do Vale do Jequitinhonha/Mucuri, é uma das comarcas mineiras cuja mobilização contra a desigualdade e a discriminação que afetam a mulher alcança resultados expressivos. Esse trabalho na comarca precede a criação do projeto Justiça em Rede Contra a Violência Doméstica, contudo o sucesso da iniciativa, liderada pelo juiz Matheus Moura Matias Miranda, se baseia nos mesmos fundamentos da proposta idealizada pela Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG): integração dos atores que lidam com o problema; agilidade e eficácia na resposta às vítimas, em todas as áreas — assistência social, médica, psicológica e jurídica —; conscientização dos agressores; fomento à reflexão; foco na prevenção e nas ações educativas. O projeto institucional também poderá propagar boas práticas e metodologias desenvolvidas localmente, dando-lhes maior visibilidade e promovendo seu aprimoramento a partir da troca de experiências.

Segundo o juiz responsável pela comarca, de Vara Única, a atuação em rede em matéria de violência doméstica e familiar iniciou-se de forma mais robusta e produtiva a partir do 1º Seminário da Rede Socioassistencial, organizado pelo magistrado e por sua equipe em janeiro de 2020. Realizado na Escola Estadual Capitão Inácio Soares, o evento reuniu mais de 110 representantes dos sete municípios da comarca: a sede, Bertópolis, Crisólita, Fronteira dos Vales, Machacalis, Santa Helena de Minas e Umburatiba.

“Nem o gênero nem qualquer característica biológica, social, física ou cultural devem significar distinção entre as pessoas. Imbuídos dessa convicção, propusemos a programação. Houve um painel sobre o tema da violência doméstica, justamente com o objetivo de trazê-lo ao debate e de demandar dos órgãos da rede de proteção à mulher uma articulação tanto no que dizia respeito ao acolhimento e ao amparo à vítima como ao próprio processamento dos casos relacionados. O seminário foi muito exitoso, pois contou com grande adesão, e a partir daí nasceu a articulação, e a atuação em rede ganhou impulso, em convergência com o que o TJMG posteriormente delineou no projeto Justiça em Rede”, afirma.

O programa Justiça em Rede, da Comsiv, incentiva e apoia magistrados na constituição de redes nas comarcas (Crédito: Copub/TJMG)

Desdobramentos – Em 2020, ocorreram várias reuniões com as Polícias Civil e Militar, o Ministério Público, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais e outros órgãos do sistema de justiça, e a partir disso estipulou-se, no ano seguinte, um novo fluxo de atendimento às mulheres na Comarca de Águas Formosas. “Até então, as vítimas chegavam à delegacia e nem sequer eram atendidas, pois exigia-se, à época, um agendamento, mesmo em caso de urgência. Como a pessoa precisava remarcar a ida para uma data posterior, isso representava um desestímulo e mesmo a impossibilidade de solicitar a medida protetiva, pois muitas mulheres vinham de outras cidades, por vezes distantes, que não dispunham de transporte público regular”, afirma.

Questões financeiras também impediam que as vítimas retornassem, mas o fator dificultador mais importante era que os companheiros ou familiares, autores das agressões, tomavam conhecimento da iniciativa e tentavam impedir que as mulheres dessem seguimento à demanda. “A partir do seminário e das interações com as instituições da rede, a Polícia Civil editou uma Portaria; e o Ministério Público, uma recomendação, com o objetivo de padronizar a atuação das polícias no enfrentamento da violência doméstica e familiar. Com isso, ficou estabelecido que a vítima deveria ser atendida na delegacia imediatamente, preferencialmente por uma escrivã ou servidora do sexo feminino, e em espaço reservado, para que não houvesse exposição”, diz o juiz Matheus Miranda.

Segundo o juiz Matheus Miranda, a mudança no fluxo revelou
uma demanda reprimida de medidas protetivas (Crédito:
Divulgação/TJMG)

O magistrado recorda que, antes do fluxo vigente atualmente, chegou a receber no Fórum Manoel Viana uma mulher que estava com o olho roxo e as vestes manchadas de sangue, acompanhada de uma assistente social. “Ela não conseguiu requerer a medida protetiva na delegacia e, em seu desespero, procurou a solução conosco. Contatamos a delegacia, argumentando que a vítima deveria ser atendida, independentemente de prévio agendamento, até porque a urgência era evidente. Dissemos que, caso não fosse decretada medida, o expediente seria feito no fórum, com comunicação à Corregedoria da PCMG. Naquele momento, a própria Polícia Civil veio à sede do Poder Judiciário, buscou a mulher e fez a medida protetiva. O nome da vítima, na época, era justamente Maria da Penha, o que nos marcou e ressaltou ainda mais a necessidade de continuarmos aprimorando os fluxos de atendimento, porque, 14 anos depois da edição da norma que homenageava a farmacêutica, uma nova Maria da Penha estava ali, diante de nós, sem a proteção devida, prevista na Lei 11.340/2006”, diz.

Atendimento na delegacia – No novo fluxo, as vítimas passaram a ser atendidas direta e imediatamente na delegacia de polícia, para haver mais celeridade e para possibilitar que elas alcançassem uma rápida solução na medida pretendida. “Elas são levadas ao fórum da comarca, também com o apoio da PCMG e da PMMG, e recebem no mesmo dia a decisão. As mulheres já saem com a cópia na mão e intimadas, sabendo além disso que será expedido mandado para intimação do suposto agressor. Em caso de indeferimento elas também são comunicadas”, afirma o magistrado. 

Segundo o juiz Matheus Miranda, foi criado um grupo do aplicativo WhatsApp com o magistrado, o oficial de justiça da comarca e representantes de cada um dos órgãos do sistema de Justiça e da rede socioassistencial e de saúde. Ali são enviadas informações em tempo real sobre a concessão de medidas protetivas e os casos de violência doméstica, inclusive para que os órgãos se preparem para o recebimento da vítima. “Há uma planilha compartilhada, de preenchimento simultâneo por todos os integrantes da rede, que monitora o processamento do caso, desde o pedido de medida protetiva até o acompanhamento posterior pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), pela Polícia Militar e por outros órgãos que acompanham as vítimas após o deferimento da medida protetiva. Todo esse percurso também consta do processo”, diz.

Resultados – De acordo com o juiz, a crise sanitária suspendeu, nos momentos mais críticos, a vinda das vítimas ao fórum, mas o protocolo e o fluxo, que já estão consolidados, estão sendo restabelecidos. “Isso é necessário para garantir mais agilidade e eficiência aos procedimentos e para que haja a possibilidade de a mulher não apenas requerer a medida, mas também de já obter a resposta do Poder Judiciário na sequência.”

Todo esse esforço se refletiu nos dados e números colhidos, que passaram a ser mais uma ferramenta para conhecer a realidade e subsidiar a melhoria dos serviços prestados. Matheus Miranda afirma que foram distribuídas 12 medidas protetivas em 2017. Em 2018, foram formulados 10 pedidos e, em 2019, 8. Portanto, 30 medidas em três anos. “Isso é ínfimo num universo de sete cidades, com mais de 60 mil habitantes, em região localizada na divisa com a Bahia, no Nordeste de Minas Gerais, em que há marcadamente um machismo estrutural e uma realidade de opressão. Os números revelam uma demanda reprimida, decorrente da falta de um fluxo e outras questões”, avalia.

Em 2020, a partir do novo fluxo de atendimento, foram requeridas 59 medidas, praticamente o dobro da soma do triênio anterior. Em 2021, o número saltou para 102 solicitações. “Neste ano, até 8 de março — Dia Internacional da Mulher, que precisamos rememorar sempre, bem como a necessidade de uma sociedade mais justa e igualitária —, 26 medidas protetivas já foram requeridas. Se fizermos uma projeção, considerando que estamos em meados do terceiro mês do ano, há tendência de ultrapassar as 100 medidas protetivas. Isso retrata a evolução do tratamento dessas ocorrências e o grande salto da média, de 10 por ano, para esse patamar. É mais uma comprovação da importância da atuação em rede, da Polícia Militar, com os órgãos de assistência social e de saúde, que recebem os casos na ponta, passando pela Polícia Civil ativa e receptiva, por um Poder Judiciário que apresenta uma resposta imediata, pela atuação do Ministério Público e o acompanhamento da vítima. Isso tudo gera uma confiança maior das mulheres no sistema. Elas passam a acessá-lo mais e de forma mais incisiva”, conclui.

Conheça a Comsiv. (Diretoria Executiva de Comunicação – Dircom/ Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG)

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