Magistrados explicam responsabilização do jovem infrator

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À luz do ECA, adolescentes se tornam partícipes desse processo

Conforme explicitado no ECA, adolescentes devem participar do seu processo de responsabilização quando cometem atos infracionais

“Adolescentes infratores não são bandidos. São cidadãos que precisam de medidas que contribuam para sua reinserção na sociedade”. A afirmação da juíza coordenadora do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional de Belo Horizonte (CIA-BH), Riza Aparecida Nery, apresenta a ótica de proteção integral trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 30 anos esta semana.

A experiência da desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz à frente da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinj) demonstra a assimilação da mesma proposta.

“O fato de as penas previstas na legislação penal não serem aplicadas ao adolescente em conflito com a lei não o torna irresponsável por seus atos”, diz a desembargadora.

Por outro lado, de acordo com a magistrada, “o encarceramento em penitenciárias, defendido por muitas pessoas, é solução simplista para um problema tão complexo como a crise do atual modelo de segurança pública em todo o País, e nem de longe se afigura capaz de solucionar a questão”.

O consenso é que, em etapa da vida tão desafiadora, essas pessoas, que ainda não estão totalmente preparadas como indivíduos para reagir aos obstáculos, devem receber atenção redobrada, pois podem se envolver com a criminalidade e não encontrar meios para se reerguer.

Reconstrução

O ECA é um marco regulatório dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes. Segundo o juiz Afrânio Nardy, responsável, no CIA-BH, por acompanhar o cumprimento de medidas socioeducativas, trata-se de um conjunto de regras que transforma, de fato, o adolescente em sujeito de direitos. Para o magistrado, o estatuto estabelece parâmetros que garantem a dignidade desse público, que assim se torna “partícipe e coautor” do processo de responsabilização.

Segundo o juiz do CIA, Afrânio Nardy, o ECA trouxe um conjunto regras que transforma o adolescente em sujeito de direitos

Um exemplo são as medidas socioeducativas. “No processo de responsabilização, o adolescente reflete sobre sua trajetória e, ao mesmo tempo, constrói um projeto pessoal a partir da afirmação de direitos fundamentais: a convivência familiar saudável, a realização de práticas pedagógicas e profissionalizantes, o desenvolvimento de aptidões para a realização pessoal e profissional e a participação na vida social”, afirma.

De acordo com o juiz Afrânio Nardy, não será possível erradicar a prática infracional a não ser a partir da lógica em que o adolescente se reconhece como alguém que se desviou do esperado, mas é sujeito de direitos. “Ele deve se enxergar como alguém que pode vir a construir sua história longe dessa prática infracional. Todo o atendimento socioeducativo é construído nessa perspectiva”, defende.

Momento sensível

Para a juíza Riza Aparecida Nery, o jovem infrator deve ser entendido no contexto das vulnerabilidades da adolescência, relação com família e sociedade

A coordenadora do CIA, juíza Riza Aparecida Nery, explica que os delitos precisam ser compreendidos num contexto, pois a adolescência é um período de mudanças físicas e emocionais, que significa a perda da condição de criança para a entrada no mundo adulto.

“É uma fase de transição em vários domínios do desenvolvimento biológico, cognitivo e social. Conflitos internos e lutos exigem do adolescente a elaboração e a ressignificação de identidade, imagem corporal, relação com a família e com a sociedade. Neste momento de maior vulnerabilidade, de busca do próprio eu e de aceitação em suas relações sociais, muitos se veem envolvidos em situações de risco”.

Segundo a magistrada, o aspecto educacional passou a ter prioridade no tratamento do autor de ato infracional. Hoje, os centros socioeducativos funcionam como escolas, onde os adolescentes frequentam aulas do ensino fundamental e médio e oficinas de capacitação. Eles têm, ainda, apoio médico, psicológico e odontológico.

O juiz Afrânio Nardy observa que, quando os adolescentes se engajam no processo de responsabilização há inúmeras histórias de sucesso. “Eles constróem seu projeto de vida, desenvolvem suas potências, se tornam sujeitos criativos e capazes de realizar uma miríade de atividades. Comprometem-se com projetos extremamente interessantes e se distanciam, em muito, da prática infracional, passando a contribuir de forma muito válida para a construção da vida coletiva e em comunidade”, afirma.

Direitos e garantias

“Quando o adolescente compreende que a justiça juvenil é pautada por regras que estão fundadas na Constituição, ele percebe que deve participar ativamente do processo no qual pode vir a receber a medida socioeducativa”, afirma o juiz Afrânio Nardy. Ele exemplifica: pelo direito à ampla defesa, há a garantia de ser ouvido e o direito ao silêncio, possibilitando o acompanhamento da instrução processual com colheita de provas.

A juíza Riza Nery ressalta que o trabalho visa à reintegração do indivíduo mas, sem a adoção de políticas públicas, o retorno desse jovem para a sociedade será difícil. Ela argumenta que é necessário que toda a rede envolvida na proteção integral dessa população, que abrange órgãos do Executivo, do Judiciário, o Ministério Público e Prefeituras, entre outros, estarem atuantes para a aplicação adequada do ECA.

Contudo, a superintendente da Coinj, desembargadora Valéria Rodrigues Queiroz, destaca que, para a elaboração de estratégias e políticas públicas, é necessário que se alcance um conhecimento estruturado da realidade sobre o envolvimento desses adolescentes em conflito com a lei. Daí a relevância de pesquisas, relatórios, debates entre os atores que lidam com essas questões, participação da imprensa na conscientização sobre o problema, sem discriminação ou estigmatização.

Estatística

No ano de 2019, foram encaminhados para o CIA-BH, 6.286 casos de apuração de atos infracionais. Desses, 4.022 adolescentes – considerados individualmente – foram encaminhados como autores, em tese, de atos infracionais e 2.264 encaminhamentos dizem respeito à reincidência.

Dos atos infracionais, o tráfico de drogas é o que possui o índice mais alto, seguido pelo uso de drogas e pelo roubo. Essas infrações somam quase metade do total, ou seja, 48,40%.

No entanto, de 2018 para 2019, houve uma queda de 16,13% na prática de tráfico de drogas e um decréscimo de 6,83% no cometimento de atos infracionais, como um todo.

Conheça os outros atos infracionais mais frequentes, o dia da semana em que costumam ocorrer e o perfil desses jovens quanto a idade, renda familiar e grau de escolaridade, entre outras informações, no Relatório Anual do CIA .

Veja como é o funcionamento do CIA .

Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom
TJMG – Unidade Fórum Lafayette

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