Direito Administrativo e Políticas Públicas

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Um salto de qualidade nas políticas públicas transversais

Jeferson Botelho Pereira – Professor de Direito
Penal e Processo Penal. Especialização em Combate
à corrupção, Antiterrorismo e combate ao crime
organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha.
Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade
Unida de Vitória/ES. Advogado e autor de obras
jurídicas. Palestrante.
“A Administração não pode proceder com a mesma desenvoltura e liberdade com que agem os particulares, ocupados na defesa de suas próprias conveniências, sob pena de trair sua missão própria e sua razão de existir” - Celso Antônio Bandeira de Mello

Resumo: O presente texto tem por finalidade precípua apresentar breves estudos sobre o direito administrativo como instrumento de oferta de políticas públicas com eficiência e qualidade, em especial, na prestação positiva das políticas transversais, tão importantes e imprescindíveis para a promoção do bem-estar social.

Palavras-Chave: Direito; administrativo; instrumento; políticas; públicas; transversalidade; necessidade.

Vivemos num estado de modelo de essência contratual, todos submetidos a um conjunto de regras, maneira de agir, um bloco de comportamento, essencial para as relações intersubjetivas. Dotado de livre arbítrio, o ser humano pode fazer tudo aquilo que sua vontade determina e almeja; mas é claro, para todo comportamento comissivo ou omissivo haverá ou não inúmeras consequências, sejam elas, morais, sociais ou legais. 

Fazer algo que a moralidade proíbe ou não recomenda pode trazer consequências deletérias para o seu autor, como a reprovação social, ocasionando num plano individual, o remorso, o arrependimento, a dor de consciência. Quando um comportamento externo é capaz de provocar lesão ou ameaça de lesão a interesses alheios, a consequências pode ser a punição corporal, ou a diminuição da fruição de determinados direitos, podendo advir, por exemplo o encarceramento, ou limitação de finais de semana, ou restrição de sua capacidade ambulatória.  

O Direito Administrativo é justamente o grande e valioso instrumento normativo responsável pelo fomento da disciplina atinente às políticas públicas de uma sociedade, buscando a promoção de harmonia e paz da sociedade. Portanto, todo o seu balizamento encontra-se respaldo nas normas legais de um país, de forma que o agente público deve obedecer com rigor todo o comando normativo de regência.

E o marco desta proteção se deve à dinâmica evolutiva da sociedade, passando por legislações e épocas, de mutações de culturas, no Brasil, em especial, pelo advento do constitucionalismo e da nítida evolução das perspectivas da Administração Pública, numa abordagem histórico-evolutiva de colorido patrimonialista, burocrática e gerencial.

A formulação para a execução das políticas públicas com qualidade e eficiência sempre foi uma preocupação das Nações desenvolvidas ou em desenvolvimento, como por exemplo, no Brasil e na União Europeia.

No Brasil, em especial, o Direito Administrativo ganha contornos de relevância não apenas por conta da necessidade do disciplinamento da Administração Pública e da organização dos poderes, mas notadamente, quando estatuiu no artigo 175 da Carta Magna, preceito imperativo, segundo o qual, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Isso ganha importância ainda quando atribui ao legislador ordinário a disciplina por meio de lei sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão, a definição dos direitos dos usuários, a sempre preocupante política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado.

O Direito Administrativo ao longo de sua existência passou por grandes transformações em razão das mutações sociais, se adaptando as novas ondas das políticas transversais. Sabe-se que a grande importância do Direito Administrativo se reside na sua autoexecutoriedade, sem olvidar da relevância da judicialização das políticas públicas não realizadas pelo gestor público, notadamente, no campo da igualdade, preservação do meio ambiente, eticidade e política de combate à corrupção e à impunidade.

A política pública que salta aos olhos de todo bom gestor público é sem dúvidas a transparência. A lógica do princípio da publicidade dos atos públicos, insculpido no artigo 37 da Constituição da República tem função relevante papel para essa transparência desses atos. Assim, com raríssimas exceções, os atos públicos não podem ser realizados escondidos, às portas fechadas, na calada na madrugada, nas trevas ou no silêncio de uma repartição trancada; como se afirma, salvo quando a determina a realizada sigilosa, esses atos devem ser sempre realizados publicamente. Nesse sentido, é possível concluir que a luz do dia deve ser a regra, a escuridão a exceção.

E uma boa iniciativa de desvendar os atos realizados às escondidas, por agentes mal intencionados é a proteção integral do informante do bem, instituto criado no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018, que dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliem nas investigações policiais; e altera o art. 4º da Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001, para prover recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para esses fins.

O comando normativo em epígrafe, informa que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

 Considerado razoável o relato pela unidade de ouvidoria ou correição e procedido o encaminhamento para apuração, ao informante serão asseguradas proteção integral contra possíveis retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.

 O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos.  A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal. 

Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% (cinco por cento) do valor recuperado.

Outra medida de suma importância é o fortalecimento do Direito Administrativo em conjunto com as normas financeiras e penais na luta contra as diversas modalidades de fraudes fiscais.

Não se desconsidere a relevância do Direito Administrativo na intervenção visando proteger e fortalecer a política de mudanças fiscais, a fiscalização energética, a atuação naquilo que se chama modernamente de direito ao território, com adoção de normas, atuação firme, na orientação e proteção da política urbanística.

Por fim, nessa perspectiva de pesquisa, torna-se de vital importância volver os olhos para as rápidas transformações sociais por meio do direito digital, tecnologia posta à disposição do Poder Público e da sociedade, instituindo uma enorme indústria do Mercado Digital, exigindo-se da Administração Pública enorme engajamento na proteção dos dados pessoas, a exemplo do Brasil, que criou recentemente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD 13.709/2018).

Importa salientar a relevância do Direito Administrativo para a existência, validade e sobrevivência do Estado e da própria sociedade, máxime, no que tange a sua essencialidade na prestação de serviços imprescindíveis para o bem-estar social, como o exercício da polícia administrativa, a dogmática da teoria das formas de ação administrativa, o regime urbanístico, o regime administrativo das liberdades fundamentais e a teoria do serviço público, temas enfrentados pelo festejado Professor Garrido Falla, e, seu Tratado de Direito Administrativo, Volume II, edição espanhol. [1]

[1] FALLA. Fernando Garrido. Tratado de Direito Administrativo. Editora: ‎ Tecnos Editorial S A; edición (1 julho 2012)

Em se tratando de promoção das políticas públicas que devem ser prestadas com qualidade, sentimento ético e zelo, é certo que o gestor público deve observar com rigor as normas estatuídas no artigo 10 da Constituição Espanhola, aduzindo que a dignidade da pessoa, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre desenvolvimento da personalidade, o respeito à lei e aos direitos dos demais são fundamento da ordem política e da paz social. Em mais que isso, as normas relativas aos direitos fundamentais e às liberdades que a Constituição reconhece interpretar-se-ão de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordos internacionais sobre as mesmos matérias ratificados por Espanha.

Releva, ressaltar, a importância da norma imperativa prevista no artigo 97 da Constituição Espanhola, segundo o qual, o Governo dirige a política interna e externa, a Administração civil e militar e a defesa do Estado. Exerce a função executiva e o poder regulamentar de acordo com a Constituição e as leis, não muito diferente com o Brasil que adota um modelo de estado democrático de Direito.

Reflexões finais 

“Todo cidadão tem direito ao governo honesto” – (Cármen Lúcia Antunes Rocha)

Após toda exposição acerca da imprescindibilidade do Direito Administrativo como instrumento regulador da vida em sociedade, é possível afirmar que esse primoroso ramo do direito público funciona como aparato social, um guarda-chuva de proteção da sociedade, para se evitar a exposição climática da chuva do desamparo, em face da ausência de políticas públicas, em áreas sensíveis como a prestação de educação de qualidade, a omissão estatal na prestação de saúde de qualidade, a submissão ao risco de sair-se às ruas sem ser assaltado por meliantes desalmados, além de outras necessidades sociais.

A grande maioria dos gestores públicos tem o costume de enumerar educação, saúde e segurança como as três funções essenciais de estado, que deveriam recebeu tratamento prioritário do Poder Público. Acontece que um copo com água ingerido pode trazer graves e sérias consequências para as três áreas ditas como essenciais, o que se torna correto afirmar que a segurança alimentar e nutricional é tão importante para a sociedade como oxigênio puro para uma vida salutar.

Assim, num caso hipotético, toma-se o seguinte exemplo. Um cidadão sedento em face de tremendo calor de 40 graus no Vale do Mucuri toma um copo com água, com único desejo de matar-lhe a sede, mas o líquido contém uma bactéria heterotrófica ou outra qualquer. O corpo pode adoecer, levando o cidadão a um hospital, a depender da enfermidade, o paciente poderá ficar afastado de suas atividades laborais, e até ficar inválido. Aqui a primeira consequência lógica para uma das atividades essenciais de estado, no caso, a saúde.

Se o paciente ficar muito tempo licenciado de suas atividades, em razão da grave enfermidade, poderá ficar afastado de suas atividades escolares, e a depender do tempo de ausência de acordo com as normas escolares, poderá perder o ano letivo. Aqui outra consequência lógica e repercussão noutra atividade havida como essencial, a educação, em razão de ter tomado aquele maldito copo com água contaminada.

Mas se o paciente que tomou aquele maldito copo com água contaminada vier a perder o seu emprego por questões várias, poderá ter reflexos no campo da segurança pública. Poderá por exemplo, ficar ansioso, deprimido, e se envolvendo numa discussão fútil, poderá agredir alguém e provocar uma lesão corporal, trazendo consequências danosas para a Segurança Pública, uma vez que a depender da gravidade da lesão, se grave ou gravíssima, artigo 129, §§ 1º e 2º, do Código Penal, poderá ser recolhido ao cárcere e contribuir para a superlotação do sistema prisional, além de outras consequências nefastas para a sociedade que terá que arcar com as despesas prisionais, como segurança, alimentação, material, saúde e as diversas assistências enumeradas no artigo 11 da Lei nº 7.210, de 84, que define as normas de execução penal.

Então a novíssima tendência da administração pública exige do seu gestor visão de futuro e conhecimentos holísticos, abrangentes, não somente das atividades essenciais de estado, educação, saúde e segurança, mas na prestação positiva e holística de ações e atividades no campo da transversalidade.

Assim, é preciso investimento e adoção de políticas públicas com efetividade e compromisso ético em educação financeira, buscando a conscientização do gasto com planejamento, proteção do regime das liberdades públicas, segurança e garantia do direito ao ordenamento do território, proteção climática, preservação do meio ambiente, política de inserção no mercado digital, ações inclusivas da terceira idade e juventude em instrumentos públicos, promoção da política de transparência, com fomento ao reportante do bem, chamado doutrinariamente de whistleblower, implementado no Brasil com advento da Lei nº 13.608, de 2018, combate às fraudes fiscais e adoção de normas preventivas de combate à corrupção e estancamento da impunidade.

Além de tudo isso, é preciso um olhar diferenciado para aquilo que parte às nossas portas, com muita velocidade, com mudanças de hábitos, rotinas, processos, a exemplo da regulação da inteligência artificial e políticas prospectivas, um olhar atento para as mudanças climáticas, e combate à sonegação fiscal.

Para implemento de todas essas políticas públicas é de vital importância adotar investimento no capital social, o ser humano, responsável por realizar políticas públicas. Nessa perspectiva, deve-se adotar prioritariamente, um acelerado processo de extinção dos vícios seculares, que infelizmente, ainda coabitam os quadros da atual Administração Pública, como o abjeto e repugnante apadrinhamento nos cargos do serviço público, verdadeiras prebendas e sinecuras nojentas que habitam os volumosos cabides do setor público, muitas das vezes em detrimento do quadro efetivo de honrados servidores públicos que deveriam ser efetivamente prioridade.

Outro vicio lamentável que persiste com frequência no setor público, conduta odiosa e repugnante é quando o gestor público em qualquer das esferas estatais, inadvertidamente premia, com outorga de comendas, moções e condecorações, a servidores chamados de longa manus, mais conhecidos popularmente como puxa-sacos, em flagrante desprestígio do bom e zeloso servidor público, às vezes concursado, e extremamente dedicado com as coisas da vida pública.

Destarte, para finalizar, reafirma-se que o Direito Administrativo deve se ocupar com primazia e cuidar prioritariamente de dois fatores de fundamental importância para a vida da sociedade, destinatária do serviço público e razão de ser do Estado. Primeiro a eficaz disciplina de todas as políticas públicas transversais, com viés inclusivo e espírito garantista, abrangente, sem deixar ninguém para trás, e depois com a mesma prioridade de tratamento um olhar clínico para o principal ator responsável pela implementação das políticas públicas, o servidor público, que deve ser respeitado, qualificado, valorizado, capacitado, internalizando o lema de gente que gosta de gente, imprescindível para a promoção dos direitos humanos.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 19 de março de 2023.

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em 19 de março de 2023.

BRASIL. Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13608.htm. Acesso em 19 de março de 2023.

ESPANHA. Constituição Espanhola. Disponível em https://www.tribunalconstitucional.es/es/tribunal/normativa/Normativa/CEportugu%C3%A9s.pdf. Acesso em 19 de março de 2023.

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