
Delegado Geral de Polícia – Aposentado. Prof. de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Ciência das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Especialização em Combate à corrupção, antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Advogado. Autor de livros
RESUMO: O presente estudo analisa o fenômeno da adultização de crianças e adolescentes no ambiente digital, problematizando os riscos trazidos pelo uso precoce e descontrolado de tecnologias. A partir da discussão do Projeto de Lei nº 2.628/2022, examinam-se as diretrizes de proteção infantojuvenil no uso de produtos de tecnologia da informação, redes sociais, jogos eletrônicos e publicidade digital. Aborda-se ainda o combate à exploração sexual online, o monitoramento parental, as sanções aplicáveis e o reporte de violações. A análise contextual e as reflexões finais discutem o impacto da adultização como ameaça ao desenvolvimento biopsicossocial, denunciando o risco de se substituir a infância pela pressa da maturidade imposta pelo mercado e pela sociedade digital.
Palavras-chave: Adultização digital; Criança e adolescente; Direitos fundamentais; ECA; Proteção integral; Tecnologia da informação.
INTRODUÇÃO
Em pleno século XXI, a infância, que outrora era sinônimo de inocência, imaginação e descobertas progressivas, encontra-se sob grave ameaça: o processo de adultização precoce. As tecnologias digitais, longe de se restringirem a instrumentos de conhecimento e interação, tornaram-se vetores de antecipação de experiências adultas em indivíduos em plena fase de desenvolvimento biopsicossocial.
O Projeto de Lei nº 2.628/2022, em tramitação no Congresso Nacional, propõe disciplinar a utilização de produtos e serviços de tecnologia da informação direcionados a crianças e adolescentes, estabelecendo parâmetros claros de proteção, privacidade, publicidade e sanções.
O desafio é gigantesco: como assegurar o direito à infância em um mundo que insiste em roubá-la? A análise que segue busca oferecer fundamentos jurídicos, técnicos e sociais para enfrentar este dilema contemporâneo.
CONCEITO DE ADULTIZAÇÃO
Adultização é o processo pelo qual crianças e adolescentes são expostos, induzidos ou submetidos precocemente a práticas, responsabilidades, comportamentos e experiências próprias da vida adulta, em detrimento de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Esse fenômeno pode ocorrer de forma cultural, social, econômica ou digital. Manifesta por exemplo, na:
• Exposição precoce a conteúdos de cunho sexual, violento ou consumista;
• Cobrança de responsabilidades adultas em idade imatura (como trabalho, cuidado de irmãos, sustento familiar);
• Exploração mercadológica da imagem infantil em redes sociais e publicidade;
• Uso excessivo de tecnologias digitais sem proteção adequada, antecipando desejos, hábitos e padrões de consumo típicos do mundo adulto;
• Erosão da infância, entendida como fase natural de aprendizado, proteção e brincadeira.
Do ponto de vista jurídico, a adultização afronta diretamente o artigo 227 da Constituição Federal, que garante à criança e ao adolescente prioridade absoluta em seus direitos fundamentais, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), que os reconhece como sujeitos de direitos e pessoas em processo de formação biopsicossocial.
Do ponto de vista psicológico e pedagógico, a adultização gera impactos nocivos ao desenvolvimento cognitivo, emocional e social, podendo contribuir para quadros de ansiedade, depressão, transtornos alimentares, sexualização precoce e vulnerabilidade a abusos.
Em síntese, adultização é o roubo da infância pela pressa da maturidade, um descompasso entre a idade biológica e a experiência social imposta, que compromete não apenas o presente da criança, mas também sua formação integral e o futuro da sociedade.
DOS PRODUTOS DE MONITORAMENTO INFANTIL
Os produtos ou serviços de monitoramento devem assegurar a inviolabilidade das imagens, sons e informações captadas, armazenadas ou transmitidas a pais ou responsáveis.
Devem ainda:
• Informar às crianças e adolescentes, em linguagem adequada, sobre o monitoramento realizado;
• Garantir que tais mecanismos sejam orientados pelo melhor interesse da criança e pelo pleno desenvolvimento de suas capacidades.
DOS JOGOS ELETRÔNICOS
• Proibição de “loot boxes” (caixas de recompensa) em jogos direcionados a crianças e adolescentes;
• Obrigatoriedade de classificação indicativa clara, sobretudo quando houver interação síncrona ou assíncrona entre usuários;
• Necessidade de sistemas de denúncia acessíveis e eficazes contra abusos, irregularidades e assédio virtual;
• Ferramentas de controle parental obrigatórias para gerenciar a interação entre usuários.
DA PUBLICIDADE EM MEIO DIGITAL
É vedado o uso de:
• Perfilamento comportamental para publicidade direcionada;
• Técnicas de análise emocional, realidade aumentada, estendida ou virtual para atingir crianças e adolescentes.
A lógica mercadológica não pode se sobrepor ao direito à infância.
DAS REDES SOCIAIS
• Contas infantis devem estar vinculadas aos responsáveis legais;
• Informações sobre a inadequação do uso por crianças devem ser prestadas de forma clara e destacada;
• Verificação de idade obrigatória, com dados utilizados exclusivamente para esta finalidade;
• Proibição de criação de perfis comportamentais de crianças e adolescentes para publicidade;
• Conteúdos atrativos a crianças devem ser monitorados e vedados quando violarem a proteção integral.
DO COMBATE A CONTEÚDOS DE EXPLORAÇÃO E ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
• Obrigatoriedade de comunicação às autoridades competentes sobre conteúdos de exploração ou abuso sexual detectados;
• Relatórios de denúncia devem ser enviados em prazos regulamentados;
• Fornecedores devem manter, por prazo legal, dados e metadados associados ao conteúdo ilícito.
DO REPORTE DE VIOLAÇÕES AOS DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
• Plataformas devem disponibilizar mecanismos acessíveis de denúncia;
• Notificadas de violações, devem remover imediatamente o conteúdo ofensivo, independentemente de ordem judicial;
• Provedores com mais de 1 milhão de usuários infantis devem apresentar relatórios semestrais em língua portuguesa, contendo estatísticas de denúncias, conteúdos moderados e medidas de prevenção adotadas.
DAS SANÇÕES APLICÁVEIS
Em caso de descumprimento da lei, os infratores ficam sujeitos a:
• Advertência com prazo para correção;
• Multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou até R$ 50 milhões por infração;
• Suspensão temporária das atividades;
• Proibição de exercício da atividade.
Critérios de aplicação: gravidade da infração, reincidência, impacto coletivo e capacidade econômica do infrator.
ANÁLISE CONTEXTUAL DA NOVA TEMÁTICA
O PL nº 2.628/2022 se insere em um contexto de crescente digitalização da vida social e de vulnerabilidade infantojuvenil. A adultização digital não é mero fenômeno cultural, mas um processo de erosão da infância, muitas vezes impulsionado pelo mercado, que transforma crianças em consumidores e perfis de dados antes mesmo de se consolidarem como sujeitos autônomos.
A proposta legislativa é, portanto, um avanço necessário, mas que demandará rigor na regulamentação, efetiva fiscalização e participação social.
REFLEXÕES FINAIS
O processo de adultização de crianças e adolescentes, intensificado pela força avassaladora do mundo digital, constitui um dos maiores dilemas jurídicos, sociais e éticos da contemporaneidade. A antecipação de práticas adultas a sujeitos em formação não representa apenas uma distorção cultural, mas sim uma violação direta ao princípio constitucional da proteção integral e ao preceito da prioridade absoluta, consagrados no artigo 227 da Constituição Federal e materializados no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Projeto de Lei nº 2.628/2022, ao estabelecer diretrizes rígidas para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais, emerge como um marco regulatório de vanguarda, destinado a conter o avanço de práticas mercadológicas abusivas, a manipulação de dados pessoais e a exposição precoce a conteúdos nocivos. Sua essência está em assegurar que a tecnologia seja ferramenta de emancipação e aprendizado, e não de exploração e degradação da infância.
Não se trata de cercear a liberdade digital, mas de impor limites jurídicos intransponíveis à lógica do mercado, que vê crianças não como sujeitos de direitos, mas como perfis de consumo a serem monetizados. É dever do Estado, da sociedade e da família construir barreiras normativas e culturais capazes de impedir que a infância seja corroída pela pressa do capital e pela sedução da tecnologia não regulada.
A criança, em sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, deve ser preservada contra a adultização precoce que impõe desejos, responsabilidades e angústias incompatíveis com sua idade. O melhor interesse da criança e do adolescente, conceito jurídico aberto e vinculante, não é mero enunciado retórico: é cláusula pétrea de nossa democracia, parâmetro hermenêutico para qualquer interpretação legislativa ou judicial.
Assim, a conclusão é inescapável: o Brasil tem diante de si a escolha histórica de garantir a cada criança o direito de ser criança, assegurando privacidade, dignidade, segurança e desenvolvimento saudável em meio ao universo digital. O silêncio normativo, a negligência legislativa ou a omissão social significarão não apenas a perda da infância, mas a falência ética de uma nação que abdica de proteger seus mais vulneráveis.
Que este debate se consolide como ato de resistência civilizatória, pois uma sociedade que abdica da infância abdica do futuro. Se a adultização é o risco, a proteção integral é a resposta. E nesta resposta, repousa a grandeza do Estado, da Justiça e da própria humanidade. A infância não pode ser sacrificada no altar da pressa, do consumo e da exploração digital. O processo de adultização precoce corrói os pilares do desenvolvimento humano, rouba o direito de brincar, transforma a inocência em estatística de mercado e compromete a formação biopsicossocial de milhões de crianças e adolescentes.
O Brasil precisa escolher entre ser uma nação que protege a infância ou uma sociedade que vende a alma de seus filhos à lógica da monetização digital. A defesa intransigente do melhor interesse da criança e do adolescente é mais que um dever jurídico: é um compromisso civilizatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
BRASIL. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase).
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência.
BRASIL. Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991. Dispõe sobre a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Projeto de Lei nº 2.628/2022. Dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 19 de agosto de 2025.










