
Delegado Geral de Polícia – Aposentado. Prof. de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Ciência das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Especialização em Combate à corrupção, antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Advogado. Autor de livros
RESUMO: O presente artigo analisa a chamada PEC/PL da Blindagem, proposta legislativa em tramitação no Congresso Nacional, que pretende ampliar as prerrogativas dos parlamentares e dificultar a atuação do Poder Judiciário em investigações, prisões e medidas cautelares. A partir de fundamentos constitucionais, como a separação de poderes e a imunidade parlamentar (art. 53 da Constituição Federal), examinam-se os limites entre a necessária proteção da atividade legislativa e o risco de transformar a imunidade em instrumento de impunidade. O estudo contextualiza o debate político, identifica as principais críticas e apresenta uma conclusão arrojada sobre os reflexos éticos e institucionais da medida.
Palavras-chave: Blindagem parlamentar; Separação de Poderes; Imunidade; Impunidade; Democracia.
INTRODUÇÃO
A história política brasileira é marcada por tensões permanentes entre os poderes da República. A Constituição de 1988 assegurou, em seu artigo 53, a imunidade parlamentar, instrumento essencial para garantir a independência do Poder Legislativo diante de pressões externas. Contudo, propostas recentes, apelidadas de PEC/PL da Blindagem, reacendem o debate sobre os limites dessa prerrogativa.
Sob o argumento de resguardar a soberania popular representada pelos mandatos eletivos, a proposta busca restringir a atuação do Judiciário, impondo condicionantes à decretação de medidas cautelares, buscas e apreensões, prisões em flagrante e até mesmo à abertura de investigações. Tal projeto, entretanto, desperta críticas severas, por representar uma potencial deformação da democracia, transformando prerrogativas em escudos corporativistas.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 2º, consagra a separação e a harmonia entre os poderes. O artigo 53, por sua vez, assegura imunidade material (opiniões, palavras e votos) e imunidade formal (restrição à prisão, salvo em flagrante de crime inafiançável).
A PEC/PL da Blindagem pretende ir além do texto constitucional, condicionando medidas judiciais à autorização legislativa e exigindo quóruns diferenciados (como o de dois terços do STF para condenações). Tal desenho, ainda que travestido de “defesa da democracia”, contraria a lógica do sistema de freios e contrapesos, pois compromete a independência funcional do Judiciário e afronta princípios de isonomia e responsabilidade penal.
Do ponto de vista do Direito Internacional, o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), que estabelece a obrigação de adotar mecanismos eficazes de prevenção e repressão à corrupção. Uma blindagem excessiva, ao contrário, aproxima-se da institucionalização da impunidade, fragilizando compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.
ANÁLISE CRÍTICA
A proposta surge em um momento de descrédito das instituições e busca, sob o discurso de fortalecimento da representação política, promover um retrocesso institucional.
Se, por um lado, é legítimo resguardar o Parlamento contra abusos de outros poderes, por outro, criar obstáculos quase intransponíveis à investigação e punição de ilícitos transforma o mandato em escudo de irresponsabilidade. Como já afirmou o ministro Celso de Mello, “imunidade não é sinônimo de impunidade” (STF, 2006).
A PEC/PL da Blindagem revela, na verdade, uma tentativa de corporativismo legislativo, onde a proteção da instituição é confundida com a proteção pessoal de seus integrantes. Trata-se de um movimento que não serve à democracia, mas aos interesses de sobrevivência política de determinados grupos, em claro descompasso com os anseios sociais de ética, moralidade e responsabilidade pública.
REFLEXÕES FINAIS
A democracia não se sustenta em muros de privilégio, mas em pilares de justiça. Blindar parlamentares contra a lei não é defender a República: é corroê-la desde dentro.
A verdadeira blindagem de um político não está em escudos constitucionais forjados às pressas, mas na honra de suas ações e na retidão de sua conduta.
Se o Congresso erguer muralhas de impunidade, o povo — senhor da soberania — será a voz que derrubará tais muros. Porque a História ensina que nenhuma blindagem resiste ao grito da justiça, e que a nação não se curva à vaidade dos poderosos, mas se levanta ao chamado da liberdade.
Assim, diante da PEC/PL da Blindagem, resta lembrar: o Parlamento pode até se blindar contra juízes, mas jamais se blindará contra o julgamento da História.
Por último, é inevitável registrar: o atual modelo político-jurídico do Brasil encontra-se esgarçado a ponto de se tornar quase impossível à Justiça alcançar aqueles que, investidos de poder, se escondem sob o manto da impunidade. São acusados de peculato, corrupção, concussão, organização criminosa, nepotismo — o mais vergonhoso deles, com esposas, filhos e parentes alçados a cargos fantasmas —, de favorecimento ilícito em contratos, de lavagem de dinheiro, de transportar fortunas ocultas em malas e cuecas, de praticar improbidade administrativa, de trair a Pátria, de desviar emendas parlamentares via PIX, de saquear o erário destinado aos aposentados e pobres do país.
E se, diante dessa devastação moral, erguer-se ainda uma rocha constitucional para blindar tais criminosos, aí sim estaremos diante do epílogo da República. Nesse instante, poder-se-á selar as portas do Estado Brasileiro e entregá-lo ao PCSEP – Primeiro Comando de Subtração do Erário Público, uma máquina voraz de devoração institucional, que consumirá em poucos instantes os últimos resquícios da democracia.
Restará então o silêncio fúnebre: as cinzas do Estado de Direito seriam lançadas ao Cemitério do Bonfim, sob um colossal mausoléu de mármore tétrico. E ali, diante da lápide monumental, os povos do mundo inteiro poderiam visitar o túmulo de uma nação que ousou tolerar a corrupção como sistema, transformando-a no maior crime hediondo já perpetrado contra a humanidade — a institucionalização da pilhagem e a consagração da traição ao povo.
Que este brado ecoe como advertência profética às gerações futuras: quando a corrupção se eterniza como lei, a própria civilização se arruína.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito 2.245/DF. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em 2006.
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO (Convenção de Mérida). Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.
CORREIO BRAZILIENSE. PEC da Blindagem une da direita à esquerda e gera reação no Congresso. Brasília, 27 ago. 2025. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br.
CONGRESSO EM FOCO. PEC da Blindagem traduz efeito de político parasitário, afirma instituto em parecer. Brasília, 25 ago. 2025. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br.
INFOMONEY. Líder do PL na Câmara protocola projeto que aumenta blindagem a parlamentares. São Paulo, 22 ago. 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br.
PODER360. Presidente da Câmara defende PEC da Blindagem. Brasília, 23 ago. 2025. Disponível em: https://www.poder360.com.br.
RBMT. PEC da Blindagem: o que diz a proposta que trata de investigações contra deputados e senadores. Brasília, 24 ago. 2025. Disponível em: https://www.rbmt.com.br.










