Regalias teratológicas para ex-presidentes da República

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Mordomias. Regalias. Veículos oficiais. Motoristas. Absurdos jurídicos.

Jeferson Botelho Pereira
Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialização em Combate à corrupção, Antiterrorismo e combate ao crime organizado pela Universidade de Salamanca – Espanha. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Advogado e autor de obras jurídicas. Palestrante

“Não existem países subdesenvolvidos. Existem países subadministrados”. (Peter Ferdinand Drucker )

RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua analisar as abjetas mordomias concedidas a ex-presidentes da República, por meio da Lei nº 7.474, de 1986, que mesmo terminado o mandato, tem assegurado por lei o direito a utilizar os serviços de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações próprias da Presidência da República.

Palavras-Chave. Mordomias. Regalias. Ex-presidentes da República. Segurança. Veículos oficiais. Motoristas. Absurdos jurídicos.

Nas favelas, no Senado. Sujeira para todo lado. Ninguém respeita a Constituição. Mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse? Legião urbana já perguntava.

Passar o país a limpo ninguém tem dúvidas da necessidade urgente a fim de melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. Não há tanto segredo para operar uma verdadeira assepsia social em torno do sepultamento dessas mordomias, sobretudo, indicando aqui a modalidade de cremação para o seu estancamento, evidentemente, lançando as cinzas no oceano pacífico, lá pelas bandas da Austrália, em chances de retorno.  Assim, é preciso urgentemente implantar uma profunda reforma política, administrativa e eleitoral no Brasil.

Tão simples assim. Reduzir esse número exorbitante de vagas no Parlamento, reduzir número de Ministérios, assessores, acabar com imóveis funcionais, acabar com os carros de luxos oficiais postos a serviço de agentes públicos, suprimir os penduricalhos, adicionais e gratificações, banir da Administração Pública a farra das mordomias, das regalias, tudo isso, conjugado a um aprimoramento ou criação de sistema sólido de leis que possam alcançar agentes públicos que apresentam desvios de conduta.  

É certo que o Brasil não vai conseguir resolver seus graves problemas econômicos e sociais se continuar mantendo regalias para determinadas e inúmeras categorias. As mordomias e prerrogativas são tantas que alcançam até os ex-presidentes da República.

A título de exemplo, tem-se em vigor a Lei nº 7474/86, que dispõe sobre medidas de segurança aos ex-presidentes da República, assim, terminado o seu mandato, tem direito a utilizar os serviços de quatro servidores, para segurança e apoio pessoal, bem como a dois veículos oficiais com motoristas, custeadas as despesas com dotações próprias da Presidência da República.

Já o decreto nº 6.381, de 2008, regulamenta a lei nº 7.474/86, no artigo 1º dispõe que findo o mandato do Presidente da República, quem o houver exercido, em caráter permanente, terá direito aos serviços de quatro servidores para atividades de segurança e apoio pessoal, a dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas e ao assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, nível 5.

Destarte, estas benesses vêm de longe. Ao findar do regime militar, o senador José Fragelli, no exercício da presidência da República, editou a Lei nº 7.474, de 8 de maio de 1986, dando a ex-presidentes o direito de utilizar quatro servidores e dois veículos oficiais, com motorista.

A Lei nº 8.889, de 21 de junho de 1994, deu aos ex-presidentes o direito de indicar os servidores e atribuiu-lhes gratificações mais expressivas. Aos 20 de dezembro de 2002, a Lei nº 10.609 deu-lhes mais dois servidores em cargos de comissão, para assessoramento.

Os servidores em atividade de segurança e os motoristas aprovados no treinamento de capacitação poderá ser disponibilizado, por solicitação do ex-Presidente ou seu representante, porte de arma institucional do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional.

Para exemplificar o absurdo dessas abjetas mordomias e regalias, a partir de 19/12/2020, dois servidores públicos estarão autorizados a assessorar e prestar segurança pessoal e apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Havana/Cuba, no período de  19  de  dezembro de 2020 a 20 de janeiro de 2021, inclusive trânsito, com ônus, e assim, mais uma vez o povo brasileiro vai arcar com as despesas de servidores, que seguramente não estarão exercendo funções representativas de supremacia coletiva mesmo porque não existe nenhum interesse público nesse assessoramento.

A propósito, no ensinamento do professor BANDEIRA DE MELLO, o princípio da supremacia do interesse público é qualificado como “verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público”, que sustenta a “superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último”.

CRISTÓVAM arremata que a admissão da existência de um princípio constitucional que assegure prima facie a prevalência absoluta (supremacia) do interesse público sobre o privado acaba por subverter a própria noção de princípios constitucionais, enquanto mandamentos de otimização que apontam para um determinado fim a ser alcançado. A noção de princípios constitucionais é totalmente inconciliável com qualquer ideia de um princípio absoluto, capaz de prevalecer (a priori) sobre os demais, independentemente das circunstâncias fáticas e jurídicas relacionadas. Afastado o princípio da supremacia do interesse público como a “medida de todas as coisas” e o parâmetro capital de legitimação da atividade administrativa, verdadeira norma estruturante do regime jurídico administrativo, convém repensar os contornos e pressupostos do novo regime jurídico administrativo, nascido do deslocamento do foco de prevalência preponderantemente fixado no Estado, para a pessoa (cidadão) e a satisfação de seus interesses (públicos e privados)[1].

Sabe-se que o exercício de cargos públicos não passa de uma atividade delegada e renumerada, e por isso, não se constituindo em nenhum favor social, e terminado o cargo ou o exercício das funções em nada justifica o ex-servidor continuar percebendo regalias em detrimento da sociedade, quem verdadeiramente suporta o ônus dos gastos com essas despesas.

Note-se que atualmente temos cinco ex-presidentes da República vivos, JOSÉ SARNEY, FERNANDO COLLOR DE MELLO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA E DILMA ROUSSEF, portanto, uma despesa de cerca de quase R$ 5 milhões anuais.

Neste castelo de mordomias, se incluam 40 funcionários fora das suas atividades (8 para cada um) e 10 veículos oficiais, todos à disposição dos ex-chefes do Executivo e sem prestar qualquer atividade a favor da sociedade, são cabides de empregos sustentados pela sociedade.

A concessão dessas mordomias e regalias a ex-presidentes e a outros servidores de quaisquer dos poderes, como por exemplo, pagamento de auxílio-moradia, auxílio alimentação, auxílio circulação, verba de paletó, auxílio-livro, estudo remunerado, 60 dias de férias, além de outros absurdos, fere com pena de morte o princípio da moralidade, e por fim, é inconstitucional a Lei nº 7.474, de 8 de maio de 1986, com todas as redações posteriores, e por isso deve ser considerada ato de imoralidade e lesiva aos interesses da sociedade.

Mas quando se fala em dinheiro, geralmente o homem cresce o olho, sua retina dilata, e sua vontade é atingida por uma abrupta descarga de adrenalina, fazendo seu coração palpitar descompassado, de emoção desmedida.


[1] CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Para um conceito de interesse público no Estado Constitucional de Direito.  Disponível em https://jus.com.br/artigos/42480/para-um-conceito-de-interesse-publico-no-estado-constitucional-de-direito/2. Acesso em 17/12/2020.

Todo mundo anseia por um país melhor, justo e isonômico, sem distorções, aberrações e sem privilégios.

Para sobreviver e ter sucesso, cada organização tem de se tornar um agente da mudança. A forma mais eficaz de gerenciar a mudança é criá-la (Drucker)

Por isso, deve a sociedade brasileira participar ativa e decisivamente de uma consulta popular e ou exigir diretamente dos seus Parlamentares acerca da cogente, necessária e urgente revogação da Lei nº 7474/86, absurdo jurídico, norma esdrúxula e imunda e extinção do auxílio moradia, além de outras gratificações nojentas e absurdas hoje concedidas a agentes políticos que já recebem remuneração diferenciada, sem parcelamento de salários, vantagens nobres, um arquipélago de benefícios adjetivados, porque o auxílio moradia e outras vantagens, definitivamente não coadunam com os princípios morais e valores éticos, e sobretudo, com a principal função desses servidores públicos, que deve ter na essência de suas funções a inexorável missão de servir ao povo e não se servir dele. 

Tudo isso acontecendo, o mundo mobilizado em torno da Ciência e da descoberta de uma vacina eficiente contra a COVID-19, Rússia, Reino Unido, EUA, todos procurando apresentar soluções urgentes para salvar a humanidade, muita gente passando fome nas trincheiras do descaso social, verdadeiros rios de sangue derramando nas comunidades, gente inocente morrendo, tratamento degradante a crianças e idosos, crescimento do racismo estrutural, filas nos centros de saúde, agentes de saúde salvando vidas e morrendo no exercício de suas nobres funções, mas de outro lado num paraíso mantido pelo Poder Público, servidores viajando as custas do erário público para acompanhar ex-presidente da República, em interesses privados, um contraste desumano, cruel e massacrante.

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