A volta triunfante de Rita

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Jeferson Botelho Pereira
Professor de Direito Penal e Processo Penal.
Especialização em Combate à corrupção,
Antiterrorismo e combate ao crime organizado
pela Universidade de Salamanca – Espanha.
Mestrando em Ciências das Religiões pela
Faculdade Unida de Vitória/ES. Advogado
e autor de obras jurídicas. Palestrante

RESUMO. O presente texto tem por objetivo principal analisar a letra da música Rita do cantor e compositor Tierry, que promete perdoar a Rita de uma facada e ainda se compromete a retirar a queixa diante da volta de Rita. Visa analisar ainda a importante questão da ação penal e sua classificação doutrinária. 

Palavras-chave. Ação penal; classificação; desistência; perdão; renúncia; Rita; impossibilidade.

As pessoas acham que o amor verdadeiro não existe, porque elas passaram a não acreditar nele, por isso ele foi desaparecendo, ele é como uma pedra preciosa, é raro você encontrar, mas não quer dizer que não exista. (John Lennon)

A música Rita do cantor e compositor Tierry tem sido a mais tocada no Brasil, sucesso em todas as paradas, letra e melodia popular que suaviza as dores do momento de exceção, de crise humanitário no campo da saúde pública porque passa o mundo, um estilo musical que cai na boca do povo, aparece nos primeiros lugares das mais tocadas nas rádios e redes sociais. Em uma das estrofes o compositor escreve:

Ôh, Rita, volta, desgramada!

Volta, Rita, que eu perdoo a facada

Ôh, Rita, não me deixa

Volta, Rita, que eu retiro a queixa

O cantor, que na história é vítima das agressões, argumenta que perdoa a facada, e se a Rita voltar ele retira a queixa.

De plano, é possível afirmar que ação penal é o direito público e subjetivo de buscar ao Poder Judiciário a aplicação do direito penal objetivo em face de sua violação. Noutras palavras, constitui-se no direito de provocar o Poder Judiciário, com o fim colimado de levar a este o conhecimento da ocorrência de uma infração penal, para que seja aplicado o direito penal objetivo. O tema encontra-se compreendido nos arts. 100 a 106 do Código Penal e nos arts. 24 a 62 do Código de Processo Penal.

NUCCI, em seu Manual de Direito Penal, conceitua a ação penal como “[…] o direito de pleitear ao poder judiciário a aplicação da lei penal ao caso concreto, fazendo valer o poder punitivo do Estado em face do cometimento de uma infração penal” (2010, p. 571).

A ação penal pode ser classificada doutrinariamente como sendo pública ou de iniciativa privada.

A ação penal pública pode ser incondicionada, ocasião em que o Ministério Público age de ofício independentemente de condições para o seu exercício.

Pode ser pública condicionada a representação da vítima ou de requisição do Ministro da Justiça em casos de crimes contra a honra do presidente da República ou chefe de governo estrangeiro, art. 145 do Código Penal, o que nesses casos chamamos de condição de procedibilidade para o exercício regular e válido da ação penal.

A ação penal pode ser também de iniciativa privada, transferindo para o ofendido o seu exercício por meio de queixa-crime. Neste caso, o interesse pertence privativamente ao ofendido, como nos casos de crimes contra a honra, em sua regra geral.

NUCCI apresenta importante classificação da ação de iniciativa privada, consoante se percebe abaixo:

Classifica-se a ação privada da seguinte forma: a) principal ou exclusiva: só o ofendido pode exercer (inclui-se, nesse contexto, a personalíssima, que somente o ofendido, pessoalmente, pode propor, conduzindo-a até o final, ou seja, não há sucessão no polo ativo por outra pessoa; caso morra a parte ofendida, antes do término da demanda, extingue-se a punibilidade do agente); b) subsidiária da pública: é intentada pelo ofendido diante da inércia do Ministério Público (art. 29, CPP), que deixa escoar o prazo legal sem oferecimento da denúncia; c) adesiva: ocorre quando o particular ingressa no processo como assistente do Ministério Público.[1]

Agora que conhecemos a temática da ação penal, merece indagar, pode o autor da música perdoar a Rita a facada?  E mais que isso pode o autor da música, que no caso é vítima retirar a queixa?

Antes de responder essas indagações é preciso conhecer a tipicidade da agressão perpetrada por Rita. É justamente aqui que reside a relevância da conduta para definição da ação penal adequada. Agora, faz-se mister analisar a intenção de autora Rita.

A Rita quando desfere a facada no autor da música ela queria o resultado morte ou queria tão somente ferir?

Assim, mais tecnicamente, indaga-se Rita tinha animus necandi ou animus laedendi?

Pois bem. Se Rita quis diretamente o resultado morte ou assumiu o resultado contra o autor da música, não o alcançando por circunstâncias alheias à sua vontade, ela responderá por tentativa de homicídio, artigo 121 c/c art. 14, II, do CP.

Nesse caso, cabe a polícia agir de ofício para investigar o crime e ao Ministério Público oferecer a denúncia, havendo provas da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria, independentemente de quaisquer circunstâncias, não ficando subordinado sua ação a qualquer circunstância especial.

O crime de homicídio tentado por ser doloso contra a vida é de competência do tribunal do júri, consoante art. 74, § 1º do CPP c/c artigo 5º, inciso XXXVIII, d) da Constituição da República de 1988.

De outro lado, se Rita não quis diretamente o resultado morte, mas quis tão somente causar uma lesão, e nesse caso, se a lesão corporal for grave ou gravíssima, art. 129, §§ 1º e 2º, do CP, a ação penal será pública incondicionada, devendo o Ministério Público oferecer a denúncia contra a Rita sem depender de nenhuma condição da vítima.

[1] NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal. Volume I, 3ª edição. Forense. Rio de Janeiro. 2019.

Noutra seara, se a lesão corporal provocada for leve, a ação penal é condicionada a representação da vítima, nos termos do artigo 88 da lei nº 9.099/95.

Vê-se que nesse caso narrando na música da Rita desgramada, não há lugar para ação de iniciativa privada, que neste caso hipotético, podem existir hipóteses de ação pública incondicionada ou ação pública condicionada à representação, e por consequência não pode o autor da música falar em retirar a queixa-crime.

Queixa-crime é a petição inicial da ação penal de iniciativa privada, proposta pela vítima ou por seu representante legal naqueles casos previstos em lei, geralmente vem com o conceito “somente se procede mediante queixa”, em casos cuja lesão ao bem jurídico ofende diretamente o interesse eminentemente privado e pertence unicamente ao ofensivo que por motivos de conveniência e oportunidade pode ou não acionar a justiça na busca de sua proteção, pertence, portanto, à esfera privada, e ninguém mais além da vítima, via de regra pode buscar a tutela jurisdicional.

A queixa deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

O verdadeiro amor é um calafrio doce, um susto sem perigos. (Guimarães Rosa)

Agora se a lesão corporal for de natureza leve, art. 129, caput, do CP, pode o autor da música deixar de representar contra a Rita, e aqui sim, pode o autor da música perdoar, seria uma forma de desinteresse na propositura da ação sobrevindo a decadência a teor do artigo 38 do CPP, podendo operar a extinção da punibilidade ou ainda retirar a representação, que tecnicamente seria uma renúncia ou retratação da representação e depois de toda essa confusão policial, voltar correndo para os braços de sua amada Rita desgramada, mas Ritinha deve querer voluntariamente reatar o relacionamento com a vítima, e nessa nova oportunidade de ressurgimento de uma nova relação amorosa, se espera que o casal possa viver a mais intensa, pura e verdadeira história de amor, uma enxurrada de paixões incandescentes, amor sem limites, sem brigas e sem confusões, que o perfume de Rita volte a impregnar no quarto escuro, sem traição e com recíproca fidelidade.

Lembrando, ainda que nos termos do art. 102 do CP, “a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia”. Assim, se o ofendido exerce o direito de representação, pode retirá-la antes de iniciar-se a ação penal com o oferecimento da denúncia.

E por fim, é preciso acreditar que o amor verdadeiro constrói um mundo de opções, nos ensina que a força do amor nos conduz ao horizonte iluminado de estrelas, ao oceano e mares de singular beleza, que o arrebol brilha mais que diamante, que agressões não fazem parte do portfólio das emoções fraternais, somente o amor edifica com solidez as relações, sendo as asas do espírito dos grandes sonhos, viva com intensidade à descoberta do amor de Gandhi, assim, ensaia um sorriso e oferece-o a quem não teve nenhum, agarra um raio de sol e desprende-o onde houver noite, descobre uma nascente e nela limpa quem vive na lama, toma uma lágrima e pousa-a em quem nunca chorou, ganha coragem e dá-la a quem não sabe lutar, inventa a vida e conta-a a quem nada compreende, enche-te de esperança e vive à sua luz, enriquece-te de bondade e oferece-a a quem não sabe dar, vive com amor e fá-lo conhecer o Mundo, mas agora sim, na plenitude do amor pode afirmar nas belas e emocionantes palavras de Lara Fabian, na graça do Amor, que “não vim aqui acreditando que algum dia ficaria longe de você, não vim aqui para descobrir que há um ponto fraco na minha fé, fui trazido aqui pelo poder e pela força voraz do amor…”

REFERÊNCIAS:

NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal. Volume I, 3ª edição. Forense. Rio de Janeiro. 2019.

BRASIL, Constituição da República de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 22 de janeiro de 2021.

BRASIL, Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 22 de janeiro de 2021.

BRASIL, Código Processo Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 22 de janeiro de 2021.

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