Uso do tempo e a divisão sexual do trabalho

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Juliana Lemes da Cruz.
Doutoranda em Política Social – UFF.
Pesquisadora GEPAF/UFVJM.
Coordenadora do Projeto MLV.
Contato: julianalemes@id.uff.br

O tempo, que já foi do trabalho regulado pelo sol, hoje se submete a uma máquina – o relógio. Segundo a pesquisadora da Universidade de Brasília, dra. Lourdes Bandeira (2010), sob controle, este “relógio” associa-se aos tempos social, político e virtual, apresentando dinâmicas diferentes a depender dos contextos. O tempo no campo parece passar lentamente, ao passo que nos centros urbanos, a percepção é contrária. “Homens e mulheres que habitam em zonas rurais ou nas periferias das cidades desfrutam de menor potencial de lazer e tendem a gastar mais tempo em atividades domésticas ou, no máximo, limitadas aos contornos das comunidades onde residem: visitar vizinhos, circular pela comunidade, assistir televisão, escutar rádio, dormir, são atividades que ocupam um tempo significativo em suas vidas”. Por outro lado, “Entre homens e mulheres dos segmentos sociais que dispõem de maiores recursos culturais e econômicos e que habitam nas grandes metrópoles, observa-se o acúmulo de atividades laborais que acarreta uma série de outras atividades interligadas, as quais intensificam a jornada de trabalho e, paradoxalmente, reduzem o tempo cotidiano” (BANDEIRA, 2010, p.47).

Assim, há diferenças quanto ao uso do tempo por classes sociais diferentes: a) os segmentos socioeconômicos mais favorecidos se dedicam às atividades do mundo exterior, do público; b) os menos favorecidos vivem o cotidiano voltado para a família e à comunidade. Disparidade que se estende ao uso do tempo por homens e por mulheres.

No Brasil, a primeira pesquisa sobre uso do tempo datou de 1992, sendo remodelada a partir de 2001, no âmbito da Pesquisa Nacional por Amostras de Municípios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com a redemocratização, entrou em cena com expressivo vigor os movimentos feministas e de mulheres trazendo pautas decisivas. Elas exigiam do Estado o reconhecimento do trabalho doméstico e das atividades dos cuidados das mulheres como elemento de valor econômico incorporável à “agenda contábil pública” (BANDEIRA, 2010, p.58). Antes disso, a orientação governamental pautava-se na noção de que as mulheres teriam o “dom natural” para os cuidados e assumiriam, no bojo das famílias, a atribuição dos cuidados e da reprodução social (FONTOURA et al, 2010).

O desenvolvimento de pesquisas dessa natureza, por sua vez, tomou impulso por meio da Secretaria de Políticas para Mulheres, criada em 2003 e vinculada ao Governo Federal. O intuito seria criar indicadores que permitissem análises sobre o trabalho reprodutivo e a economia dos cuidados, capazes de subsidiar a implementação de políticas públicas que fomentassem a superação das assimetrias entre gêneros, expressa na realidade diferenciada de usos do tempo por homens e mulheres.

Os dados publicados em 2017 sobre a Pnad Contínua deram conta que os afazeres domésticos e as atividades associadas aos cuidados com pessoas dentro e fora do domicílio são, majoritariamente, desenvolvidas por mulheres desde o ano de 2001. A única atividade que os homens desempenham mais, são os pequenos reparos em equipamentos eletrodomésticos e manutenção do domicílio e do automóvel. A proporção de mulheres que desempenham trabalhos domésticos chegou aos 94% e entre homens, 79% (BARBOSA, 2018).

Nesse sentido, estudiosos questionam porque o tempo gasto pelas mulheres nas atividades domésticas ainda não são consideradas como trabalho essencial à reprodução social, embora não remunerado e desvalorizado socialmente. Conforme defendem, Melo, Considera e Sabbato (2016), não há nada que, tecnicamente, impeça tal valoração. Nesse sentido, as pesquisas sobre o uso do tempo são instrumentos importantes que demandam tratamento urgente por parte do Estado (FONTOURA et al, 2010).

Mesmo com as mudanças das relações sociais de sexo impulsionadas pelos movimentos de mulheres, feministas e intelectuais, a “obrigação” pela execução do trabalho doméstico continuou sendo das mulheres (HIRATA e KERGOAT, 2007). Ao contrário do que se possa imaginar, as mulheres que têm consciência do quão opressor e desigual é esta relação que atribui às mulheres o trabalho doméstico, continuam a conciliar ou delegar a outras mulheres o que a sociedade lhes cobra: a subordinação às tarefas domésticas e de cuidados.

Referências: BANDEIRA, L. M. Importância e motivações do Estado Brasileiro para pesquisas de uso do tempo no campo de gênero, 2010; BARBOSA, A.L.N.H. Tendências nas horas dedicadas ao trabalho e lazer: uma análise da alocação do tempo no Brasil. Ipea, 2018; FONTOURA, N. et al. Pesquisas de uso do tempo no Brasil: contribuições para a formulação de políticas de conciliação entre trabalho, família e vida pessoal, 2010; HIRATA, H.; KERGOAT, D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho, 2007; MELO, H.P.; CONSIDERA C.M.; SABBATO, A.D. Dez anos de mensuração dos afazeres domésticos no Brasil, 2016.

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